sábado, 28 de novembro de 2015

Women's Works (by Peter Adamson)

Peter Adamson thinks about the women in the history of philosophy.

Despite the ancient Oracle’s advice to ‘Know Thyself’, it’s only relatively recently that we philosophers have started wondering why so few of us are women. In fact, gender disparity among professional academic philosophers has now become something of a scandal. Various explanations are offered. Some blame pervasive sexism and the macho posturing that is typical of philosophical debate. Others suggest that the overly technical culture of modern analytic philosophy may drive away women, who are far too sensible to engage in such time-wasting. One way to test these hypotheses might be to find out whether the lack of female representation is consistent across all sub-areas of philosophy. I haven’t been able to find statistics on that, but my superficial impression is that the proportion of women may be somewhat higher among historians of philosophy than among analytic philosophers. This may seem ironic, given that in the earlier ages studied by those historians, women were even more shut out of the discipline than they are today.

Yet their exclusion was not total. The early modern period especially featured numerous prominent female thinkers, such as Margaret Cavendish and Anne Conway. They were active in the mid-1600s, more than a century before Mary Wollstonecraft’s 1790 work Vindication of the Rights of Women (I’m guessing that this is the earliest philosophical treatise by a woman that most philosophers would be able to name).

If we look further back, we find that the history of women in philosophy is as old as the history of philosophy itself. In the time of the Pre-Socratics (6th C. BCE) there was Theano, an associate of and possibly the wife of Pythagoras. Plato famously argues in his Republic that women would be philosophers in his ideal city. He also puts philosophical speeches into the mouths of women in his dialogues, notably Diotima in theSymposium.

Aristotle is less open-minded on this score, to put it mildly. But some philosophical movements that emerged after him included women in their ranks – such as Hipparchia, a Cynic who helped cause some scandals of her own, with the help of her partner Crates. Then there was Hypatia, the pagan martyr who is perhaps the one really famous female philosopher of classical times.

Nor do we lack for women philosophers in the Middle Ages. Again, there is one particularly well-known female thinker in the period, namely Hildegard of Bingen (1098-1179). But she is not the sole woman in an otherwise all-male period of thought. In the Thirteenth Century, Hadewijch and Mechthild of Magdeburg followed Hildegard’s example by describing mystical encounters with God; and the Fourteenth Century was something of a highpoint for women intellectuals, such as Marguerite Porete, Catherine of Siena, and Christine de Pisan.

By the way, non-European traditions have also featured women. We find several female disputants in theUpanisads (6th C. BCE onwards), for example.

Of course, it is not enough to acknowledge the existence of these women thinkers and then turn back to studying only their more famous male contemporaries. All of the figures I’ve mentioned, and many more besides, deserve careful attention from historians of philosophy. However, that attention should not focus solely on their gender. After all, when we study Aristotle or Kant, we don’t usually start with the observation that they were men; so why should we see Hipparchia or Hildegard as women first and philosophers second? Of course, gender was a lens through which they were invariably seen by the contemporaries who recounted their stories and preserved their works. When we learn something of the ideas of ancient female thinkers, it is usually because they were quoted on ‘women’s topics’ such as marriage and child-rearing. Hildegard herself drew attention to her position as a ‘mere woman’, chosen as a mouthpiece for God precisely because of her humble status. Yet we will understand Hildegard better if we compare her to male mystical authors of the same time, such as Bernard of Clairvaux, rather than by simply putting her in the company of women from other periods. Indeed, even other female medieval mystics, such as Hadewijch and Mechthild, make for a striking contrast with Hildegard. Writing only a few generations later, their works are very different from hers, being composed in vernacular languages and shot through with the tropes of courtly love literature.

If female philosophers are to be rescued from their undeserved obscurity, it will be by using the same tools that can illuminate male historical figures. We should discern the influences on which they drew; we should pay heed to the historical context that produced them; and we should take their ideas seriously. Of course the social position of women in late antique Alexandria is relevant to understanding Hypatia; but it’s less important to understanding her than contemporary developments in mathematics (her primary intellectual interest), or the confrontation between paganism and Christianity. Understanding each woman philosopher in her own terms as well as in her own time is not just about gender balance; it’s good history. And if this richer historical picture gives encouragement to women who are considering whether to devote their lives to philosophy, then an improvement in our understanding of philosophy’s past might just help improve philosophy’s future.

© Prof. Peter Adamson 2015
Peter Adamson is the author of A History of Philosophy Without Any Gaps, vol.1, Classical Philosophy (2014),vol.2, Philosophy in the Hellenistic and Roman Worlds (2015), both based on his popular History of Philosophy podcast, and available from OUP. [Vol 1 reviewed this issue – Ed.]

Via Philosophy Now

domingo, 6 de setembro de 2015

Gadamer - El arte en la época de la técnica (subtitulado español)

Gadamer introduz em que consiste a arte e a técnica. Tal como os entendemos hoje, trata-se de um significado muito recente.



Hans Georg Gadamer - El cambio en la imagen de la muerte (subtitulado español)

Gadamer explica as mudanças que tem sofrido a visão da morte no Ocidente. Começa pela Antiga Grécia: a lenda de Prometeu é um ponto chave. Em nossa sociedade pós-iluminista a morte tem sofrido uma desmitologização, mas mas continua aí como a grande interrogação e a chave de compreensão.


domingo, 9 de agosto de 2015

Marwan Rashed - Qu'est ce que la philosophie antique ?

Marwan Rashed, professeur de philosophie, de paléographie et de grec ancien, pose la question de la pluralité de la philosophie antique en présentant son histoire.







Postado originalmente em Philosophie magazine

segunda-feira, 20 de julho de 2015

As imagens do filósofo na arte de Rembrandt (por Rogerio Rocha)

Por Rogerio Henrique Castro Rocha

"Rembrandt Harmenszoon van Rijn - Self-Portrait - Google Art Project" 


Hoje trago para vocês algumas impressões a respeito de uma relação que sempre dá o que pensar: aquela que existe entre arte e filosofia. 

As conexões existentes entre essas duas formas de expressão da criatividade humana são responsáveis por incontáveis polêmicas, análises e teorias.

Afinal tratam-se de dois campos do conhecimento que, ao longo de suas histórias, tem dialogado constantemente, dando lugar a grandes debates.

No mais, a conexão entre filosofia e arte (no caso em apreço as artes plásticas), no plano do que elas podem nos oferecer de melhor, enquanto objetos de fruição estética e reflexão crítica, rendem momentos fabulosos.

Para tentar lhes mostrar um pouco disso, ou seja, de como funciona esse diálogo entre 'mundos', com suas lentes de aumento focadas sobre os muitos planos da existência (ora realidade, ora sonho, conceitos, símbolos), resolvi apresentar, a partir da análise de dois quadros de autoria do pintor e gravador holandês Rembrandt (1606-1669), algumas impressões acerca da relação entre arte e filosofia, sobretudo quanto à representação da imagem do filósofo em suas telas.

"O filósofo em meditação" (Rembrandt - 1632)




No quadro acima, um dos mais famosos do talentoso pintor holandês, podemos ver retratada a figura de um homem idoso, sentado ao fundo, no canto de uma sala, próximo a uma mesa e à janela da casa.

Pela janela entra furtivamente a luz do sol, que recai por sobre parte do ambiente, nos deixando ver a figura de um ancião (o filósofo), de alguns poucos elementos que compõem a cena e de uma segunda figura humana (uma senhora ou serviçal) próximo à lareira, onde alimenta o fogo sem  preocupar-se com a presença do outro personagem.

Pois bem, então vejamos: quem é o centro da representação artística de Rembrandt? O homem que ocupa seu lugar de forma reservada, em situação de destaque, banhado pela luz solar que adentra a sala. Esse é o filósofo. O filósofo em seu ser mais constante, isto é, em sua condição primordial: a condição do meditar.

A cena retrata-o em estado de profunda imersão. Imersão em seus próprios pensamentos, voltado para dentro de si, alheio ao que lhe passa ao redor naquele instante, como que a buscar em outro lugar o que ali não se encontra.

A imagem que então percebemos é a de um homem velho. A figura da experiência, da sabedoria, o retrato do pensador como um homem recluso, alheio ao que lhe é externo (o filósofo não se volta para a luz da janela, mas para o íntimo do escuro cômodo), voltado para dentro de si e envolto nas mais profundas reflexões, quase como que num pequeno transe.

Vejam, portanto, como Rembrandt magistralmente compôs a cena. Um leve efeito de mistério e intimidade obtido com a luz e a sombra (a técnica do chiaroscuro, amplamente dominada pelo mestre espanhol Caravaggio), o uso de apenas quatro cores (variando entre o branco, o preto, o marrom e um amarelo terroso).

Se voltarmos por mais um instante as nossas atenções à referida cena, poderemos verificar também a existência de uma pequena porta de madeira à esquerda do filósofo (por conseguinte, à direita dele, quando tomada a perspectiva de quem observa o quadro). E mais à direita, em espiral, uma escada, também de madeira, que leva a um aposento ou andar superior, cuja entrada não nos é dada a ver, visto que, neste ponto, a cena é de novo tomada pela escuridão.

No patamar mais elevado, simbolizado aqui pelo piso superior, cujo acesso se dá pela escada em caracol, temos o mundo das ideias, do conhecimento, do saber, ainda inóspito, não revelado, e onde só se chega após despender-se um certo esforço (do intelecto) que supera os problemas que se apresentam (ao galgar os degraus ou patamares da escada).

Há nesses dois planos, implícita, uma ideia de alto e baixo, daquilo que ascende e do que descende, do superior e do inferior.

Ademais, se prestarmos bem atenção, analisando novamente a imagem pintada por Rembrandt, temos que a luz que mais fortemente domina a cena é a que vem de fora da casa, que entra pela janela e ilumina a pessoa ensimesmada do velho sábio. Sua função acaba sendo como que a de delimitar ao observador do quadro que é nele, isto é, no homem que simboliza a sabedoria do pensamento reflexivo, que mora a luz do conhecimento. 

É ele que traz luz à cena (luz esta que supera, em muito, o brilho quase imperceptível da fogueira a ser acesa pelas mãos da serviçal, agachada no canto oposto da sala).

Logo, o admirável pintor holandês sintetiza nesta obra, possivelmente, a imagem mais marcante e famosa que se fez vincular à filosofia: a da atividade do pensar. E nos acena também para a conclusão de que o pensar requer um recolhimento necessário. Recolhimento que repousa no movimento interno das ideias, que ilumina a vida com aquilo que desvela.


"O filósofo com o livro aberto" - (Rembrandt - 1648)

Com a mesma maestria, Rembrandt retorna ao tema, como que numa sequência tardia, em uma tela do ano de 1648. Esse novo quadro assinala não só o seu interesse pela figura dos homens de pensamento, como também faz uma verdadeira retomada da cena exposta na tela "O filósofo em meditação", que anteriormente analisamos. 

O detalhe agora, porém, na sutileza do seu estilo, e que nos chama atenção, é que vemos quase que a mesma cena da obra anterior, só que por um ângulo ou plano inverso. Os elementos de composição técnica do quadro anterior estão praticamente todos lá. O velho filósofo, pensativo, absorto em suas meditações, a janela pela qual se vê adentrar ao recinto a claridade da luz do sol, a mesa... até mesmo o velho livro aberto.

Entretanto (e aí está o plus dentro do cenário já familiar), desta vez o observador pode conhecer o restante da casa, saber que nela há outro aposento, uma porta, um corredor, encontrando um ambiente bem mais iluminado que o da obra que a antecedeu.

Ainda analisando o aspecto da retomada do tema, vê-se de novo a escada em espiral que leva ao andar de cima, envolto em escuridão. E o segundo plus presente nesta obra: o filósofo agora vislumbra o livro aberto, próximo à janela banhada de luz (na outra tela ele mirava o vazio dentro do aposento).

Ora, aqui não há mais, como antes, tantas sombras. A penumbra, a ambiência soturna e cavernosa da obra anterior parece ter se dissipado. A luminosidade do conhecimento inundou tudo, espraiando-se pelo espaço interno da sala, como se vê acima.

Desse modo, algo fez-se fenômeno, veio a lume, surgiu. Algo saiu de dentro dos pensamentos do velho pensador e fez-se verbo na realidade das letras e linhas do livro posto sobre a mesa. E o filósofo, na cena aqui tratada, se volta para a contemplação não só das próprias ideias, mas também do que lhe mostra a realidade.

Com estes dois quadros, portanto (na perspectiva desse diálogo que há entre arte e filosofia, entre imagem e pensamento, desse diálogo possível e necessário), Rembrandt nos ensina que ambas, arte e filosofia, são formas especiais de se olhar a mesma realidade. E ensina mais. Que juntas nos mostram uma maneira única de experimentar o mundo. As duas telas ora comentadas são, ao nosso entender, e acima de tudo, uma respeitosa homenagem de um mestre da expressão estética à filosofia enquanto máxima expressão da capacidade humana, simbolizada no seu ícone mais visível: o filósofo.


domingo, 17 de maio de 2015

NÓS, OS FABRICANTES DE SOLIDÃO


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Por Mariana Ribeiro
Somos tão livres como nunca fomos. Pode-se escolher carreira, viagens, hobbies, pessoas. Acima de tudo pessoas. Pode-se trocar de carreira, de hobbies e de pessoas, o tempo todo. Por que o resultado disso não é maravilhoso? Por que os cidadãos da era tinder são tão solitários? Por que os pregadores do desapego nas redes sociais parecem tão felizes e divertidos por lá e na realidade estão em desespero, viciados em remédios? E de onde foi que eles saíram?
Estas pessoas são solitárias, não por que não socializem, não saiam com os amigos, não se divirtam. Elas fazem tudo isso e ainda têm um tinder que bomba. Mas não criam laços. Todas essas coisas e pessoas (excetuando um bom amigo ou outro) são efêmeras e desaparecem quando se está doente ou sem dinheiro. Puf!
O trabalho do sociólogo polonês Zygmunt Bauman nos emprestou as palavras para falarmos desse fenômeno social que estamos vivendo.
As explicações sobre a atual liquidez de tudo vieram a calhar, para aqueles que têm a coragem de admitir e que têm interesse no que se passa ao nosso redor. Em trabalhos como: “modernidade líquida” e “amor líquido” encontram-se temas chave que nos ajudam a nos situar no caos moderno. Tais como: a perda de espaço e tempo implicados pelo avanço tecnológico, a fragilidade dos laços humanos, a substituição de relações presenciais por on-line e etc.
Mas este artigo não é para falar de Zygmunt e sim para entendermos através do embasamento que seu trabalho nos oferece, como nos tornamos fabricantes de solidão e legitimadores da mesma.
Quando falo do que “vivemos hoje”, não é por empatia com tempos passados, falo do fenômeno social ocorrido como consequência de avanços tecnológicos e culturais, principalmente a ideologia moderna da “liberdade”. A ideia de ser livre e de poder fazer o que quiser, a desconstrução de valores, que agora são extremamente relativos.
Você começa uma família se quiser e quando quiser, você tem filhos se quiser, você viaja para onde quiser, você não precisa se relacionar com o sexo oposto, você é livre! Estamos todos inseridos na cultura do respeito às diferenças. E tudo isso são avanços inegáveis, mas ainda não estamos no paraíso por quê?
Todos os nossos avanços vieram acompanhados de evoluções tecnológicas que nos tiraram a noção de espaço e tempo interligados, como disse Bauman: “O tempo se tornou dinheiro depois de se ter tornado uma ferramenta (ou arma?) voltada principalmente a vencer a resistência do espaço: encurtar as distâncias, tornar exequível a superação de obstáculos e limites à ambição humana.” (BAUMAN, Modernidade Líquida, 2001, p.130)
Está dada a largada então, para a conquista de espaço no menor tempo possível e os competidores são, as um dia crianças, ensinadas que podiam ser o que quisessem. E isso é o que importa agora, sucesso financeiro, aquisição de espaço, ambição. Laços de afeto e a espiritualidade são complementos necessários na vida de um cidadão moderno, saudável e bem-sucedido, mas apenas complementos. E é muito bom que todos tenham esses complementos, assim como carimbos no passaporte. E o ideal é que sejam colocados em um futuro seguro e incerto (porque nada é certo), onde não possam afetar suas prioridades de carreira e dinheiro.
É preciso um espaço só seu para se concentrar nas prioridades, para focar e competir no dia a dia com máxima eficiência. Cria-se uma bolha.
E de dentro das bolhas do individualismo olha-se para fora, para uma imensidão de possibilidades. As redes sociais disseminam a sensação de que há uma infinidade de pessoas a nossa volta, todas legais e felizes, tentando parecer mais bonitas e mais felizes que outros. Todas postando seus momentos de alegria e sucesso. Cria-se um ideal inalcançável, pois é atualizado o tempo todo nas redes. Então cá no nosso dia a dia como escolher alguém?
Com uma escolha feita parece-se estar perdendo tanto! Como amar alguém e perder as experiências maravilhosas com as pessoas maravilhosas que lotam o facebook e o instagram?
Além disso, as pessoas presenciais são humanas e falhas, dão trabalho e nunca correspondem ao ideal disseminado pelas redes. E aí é que são descartadas e trocadas por outras. Sempre na compulsão de tentar de novo, de achar a pessoa certa, que “cabe no sonho”, como disse Cazuza. É muito fácil dizer que não deu certo e se desprender de responsabilidades na tentativa, dizer: “é a vida”.
E volta-se para casa só e começa-se tudo de novo amanhã.
Fazemos-nos todos descartáveis e reclamamos quando somos descartados, reclamamos da solidão dentro da bolha. Coloca-se a culpa num mundo louco e insensível, quando nós somos o mundo. E a coisa real que todos compartilhamos no fim das contas é a solidão. Ninguém está realmente lá, todos estão indo e vindo. Bauman explica o fenômeno dos laços frouxos e repetitivos que fazemos:
O cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o restante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência. De qualquer modo, eles só precisam ser frouxamente atados, para que possam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem — o que, na modernidade líquida, decerto ocorrerá repetidas vezes. (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.6)
As consequências da liberdade são assustadoras. Ela é um fenômeno que a maioria ambiciona entender, uma fonte de prazeres e dores de que ninguém abre mão. Talvez todos pensem entender a liberdade, pois têm um conceito individual da mesma, mas ela está acima das ideias.
A liberdade é acima de tudo ambígua. Zygmunt diz que nenhuma sociedade conseguiu ainda o equilíbrio entre segurança e liberdade, se estamos seguros somos escravos e se estamos livres, não temos segurança. Estamos mais para o segundo caso, somos livres, mas temos tudo líquido a nossa volta, nada seguro.
E quem vai ter a coragem de construir um relacionamento seguro abrindo mão da sua liberdade pessoal? Esta pseudo-liberdade de fazer tantas coisas que não darão frutos e que oferece momentos de inserção na ideia atual de felicidade.
E ainda, quem serão os mais que corajosos a investir em algo sólido, com laços afetivos, confiança, lealdade e durabilidade, com dores e prazeres a longo prazo, quando o resto do mundo irá considerá-los fora de moda e sem ambição?
Talvez, por isso, é que nem mesmo pessoas totalmente conscientes dessa realidade conseguem criar laços duradouros, afinal, é suicídio social ser fora de moda e sem ambição.
E como diz Bauman: “Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.” (BAUMAN, Amor líquido, 2004, p.12).
Como já foi dito, os planos de formar família ou mesmo um relacionamento duradouro são colocados num futuro incerto e distante, “vou querer quietar um dia”, ouve-se muito isso. As pessoas acreditam estar aprendendo com suas experiências de amores líquidos, ficadas e rolos, para um dia aplicar a um relacionamento que já vem sendo idealizado, mais inalcançável depois de cada experiência, obtida com pessoas defeituosas, de forma que se exige mais e mais daquela que seria a certa.
É um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar. Sobre isso Bauman diz:
Essa é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim adquiridas são as de “terminar rapidamente e começar do início” [...] Guiado pela compulsão de tentar novamente, e obcecado em evitar que cada sucessiva tentativa do presente pudesse atrapalhar uma outra no futuro... (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.11)
Toda essa cultura e essa vivência de correr atrás do vento fabricam solidão e não daquele tipo que se precisa de vez em quando, mas de um tipo disfarçado e disseminado, que está nas nossas músicas e filmes, está nas redes e na moda, está no estilo de vida e tem corroído por dentro a fé da humanidade na humanidade.
Quem não viu o primeiro episódio do famoso seriado Americano, Sex And The City, baseado no livro de Candace Bushnell? A narração de Carrie Bradshaw que abre o seriado:
Bem-vinda à época da não-inocência [...] Autopreservação e fazer bons negócios são mais importantes. O cupido voou do pedaço. Como diabos viemos parar nessa bagunça? Há milhares de mulheres nessa situação, todos as conhecemos e concordamos que são ótimas. Elas viajam, pagam impostos, pagam 400US$ em um par de sandálias Manolo Blahnik e são solitárias.
Quem não viu o filme Her, e acompanhou a maneira fácil e a gradual com que o personagem Theodore se apaixona por um programa de inteligência artificial, chamado Samantha, criado para ajudar usuários a se organizarem em suas vidas online? A ex-esposa de Theodore diz a ele:
É o que você sempre quis. Ter uma esposa sem o desafio de ter que lidar com algo real.
Se quisermos alterar essa realidade, será preciso parar a corrida em diversos momentos e olhar para o outro, desobrigando-o de ser fantástico, pois ele não é um filme ou seriado, é um ser humano. E o outro ser humano é o único que pode corresponder com a companhia que nós, por natureza, necessitamos.
Desculpe, também não é seu cachorro!


Fonte:
© obvious: http://obviousmag.org/inquietudes/2015/05/nos-os-fabricantes-de-solidao.html#ixzz3aRdjIaLw 
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terça-feira, 5 de maio de 2015

Charge filosófica da semana


Existentialist Values (by Robert Goodwin Olson)




“... Almost without exception the biographies of the great philosophers of the past reveal poignant personal tragedies. At an early age Plato was forced to abandon the political career for which he was by birth and social status destined, to sustain the loss through execution of his master and friend Socrates, and to go into exile from his beloved Athens. Later, his one practical political adventure, an effort to establish a sound and stable government in Syracuse, was a dismal failure. Epictetus was not only a slave by birth but was also lame. Spinoza was excommunicated from the Jewish community in Amsterdam where he had passed his early life, was obliged to earn his living in the tedious occupation of lens grinder, and died relatively young of consumption. Hegel was slow to mature as a philosopher, and although he finally achieved great popularity, his climb up the academic ladder was extremely laborious and frustrating. In his student days he was even subjected to the indignity of being told that he had no aptitude for philosophy.

Each of these men had strong personal reasons for doubting the possibility of self-fulfillment through wealth, fame and pleasure; and behind an often cold and impersonal mask traces of disappointment and bitterness are clearly discernible. If the die-hard ordinary man so choose, he could perhaps make out a plausible interpretation of the traditional philosophers’ value orientations as so many instances of sour grapes. The fact remains, however, that in the official expression of their ideas traditional philosophers tended to regard the values which they substituted for those of the ordinary man as sufficient to a complete and fully satisfying life. The sense of tragedy haunts their systems, but it does not ordinarily enter into them.”

(OLSON, Robert Goodwin. An introduction to existentialism. New York: Dover Publications, 1962, p. 13)

terça-feira, 21 de abril de 2015

A arte de escrever para idiotas (por Marcia Tiburi)

Reproduzo aqui um texto de autoria da filósofa brasileira Marcia Tiburi que merece a nossa leitura e reflexão.

Para aqueles que não lerão este artigo
Em nossa cultura intelectual e jornalística surge uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e subautores que sugerem a criação de um nova ciência.
Estamos fazendo piada, mas quando se trata de pensar na forma assumida atualmente pela “voz da razão” temos que parar de rir e começar a pensar.
Artigos ruins e reacionários fazem parte de jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa. Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para idiotas.
Diga-se, antes de mais nada, que o termo idiota aqui empregado guarda algo de seu velho uso psiquiátrico. Etimologicamente, “idiota” tem relação com aquele que vive fechado em si mesmo. Na psiquiatria, a idiotia era uma patologia gravíssima e que, em termos sociais, podemos dizer que continua sendo.
Uma tipologia psicossocial entra em jogo na história, baseada em dois tipos ideais de idiotas: o idiota de raiz, dentre os quais se destaca a subcategoria do idiota representante do conhecimento paranoico, e o neo-idiota, com destaque para o “idiota” mercenário que lucra com a arte de escrever para idiotas.
Vejamos quem são:
1- O Idiota de raiz é fruto de um determinismo: ele não pode deixar de ser idiota. Seja em razão da tradição em que está inserido ou de um déficit cognitivo, trata-se de um idiota autêntico.
O Idiota de raiz divide-se em três subtipos:
1. 1 – Ignorante orgulhoso: não se abre à experiência do conhecimento. Repete clichês introduzidos no cotidiano pelos meios de informação que ele conhece, a televisão e os jornais de grande circulação, em que a informação é controlada. Sua formação é “midiatizada”, mas ele não sabe disso e se orgulha do que lhe permitem conhecer. No limite, o ignorante orgulhoso diz “sou fascista”, sem conhecer a experiência do fascismo clássico da década de 30 e o significado atual da palavra, assim como é capaz de defender sem razoabilidade alguma ideias sobre as quais ele nada sabe. Um exemplo muito atual: apesar da violência não ter diminuído nos países que reduziram a maioridade penal, a ignorância da qual se orgulha o idiota, o faz defender essa medida como solução para os mais variados problemas sociais.  Ele se aproxima do “burro mesmo” enquanto imita o representante do conhecimento paranoico, apresentados a seguir.
1.2 – “Burro mesmo”: não há muito o que dizer. Mesmo com informação por todos os lados, ele não consegue juntar os pontinhos. Por exemplo: o “burro mesmo” faz uma manifestação “democrática” para defender a volta da ditadura. Para bom entendedor, meia palavra…
1.3 – Representante do conhecimento paranoico: tendo estudado ou sendo autodidata, o representante do conhecimento paranoico pode ser, sob certo aspecto, genial. Freud comparava, em sua forma, a paranoia a uma espécie de sistema filosófico. O paranoico tem certezas, a falta de dúvida é o que o torna idiota. Se duvidasse, ele poderia ser um filósofo. O conhecimento paranoico cria monstros que ele mesmo acredita combater a partir de suas certezas. O comunismo, o feminismo, a política de cotas ou qualquer política que possa produzir um deslocamento de sentido e colocar em dúvida suas certezas, ocupa o lugar de monstro para alguns paranoicos midiaticamente importantes.
Curioso é que o representante do conhecimento paranoico pode parecer alguém inteligente, mas seu afeto paranoico o impede de experimentar outras formas de ver o mundo, abortando a potência de inteligência, que nele é, a todo momento, mortificada. Isso o aproxima do “ignorante orgulhoso” e do “burro mesmo”.
Em termos vulgares e compreensíveis por todos: ele é a brochada da inteligência.
2 – O neo-idiota: o neo-idiota poderia não ser um idiota, mas sua escolha, sua adesão à tendência dominante, o coloca nesse lugar. Não se pode esquecer que, além de cognitiva, a inteligência é uma categoria moral. O neo-idiota não é apenas um idiota, mas também um canalha em potencial.
Há dois subtipos de neo-idiota:
2.1 – O “idiota” mercenário quer ganhar dinheiro. Ele serve aos interesses dominantes, mas é um idiota como outro qualquer, porque não ganha tanto dinheiro assim quando vende a alma.
Nessa categoria, prevalece o mercenário sobre o idiota. Por isso, podemos falar de um idiota entre aspas. Ganha dinheiro falando idiotices para os idiotas que o lerão. Seu leitor padrão divide-se entre o “burro mesmo” e o “idiota cool”. Ele escreve aquilo que faz o “burro mesmo” pensar que é inteligente. O idiota cool, por sua vez, se sente legitimado pelo que lê. O que revela a responsabilidade do idiota mercenário no crescimento do pensamento autoritário na sociedade brasileira. Apresentar Homer Simpson ou qualquer outro exemplo de “burro mesmo” como modelo ideal de telespectador ou leitor é paradigmático nesse contexto.
2.2 – O “idiota cool” lê o que escreve o idiota mercenário. Repete suas ideias na esperança de ser aceito socialmente. De ter um destaque como sujeito de ideias (prontas). Ele gosta de exibir sua leitura do jornal ou do blog e usa as ideias do articulista (do representante do conhecimento paranoico ou do idiota mercenário) para tornar-se cool. Ele segue a tendência dominante. Ao contrário do “burro mesmo”, nele sobressai o esforço para estar na moda. Como, diferentemente dos seus ídolos, ele não escreve em jornais ou blogs famosos, ele transforma o Facebook e outras redes sociais no seu palco.
Diante disso, temos os textos produzidos a partir da altamente falaciosa arte de escrever para idiotas. O sucesso que alcançam tais textos se deve a um conjunto de regras básicas. Identificamos dez, mas a capacidade para escrever idiotices tem se revelado engenhosa e não deve ser menosprezada:
1-    Tratar como idiota todo mundo que não concorda com as idiotices defendidas. O texto é construído a partir do narcisismo infantil do articulista. O autor sobressai no texto, em detrimento do argumento. Assim ele reafirma sua própria imagem desqualificando a diferença e a inteligência para vender-se como inteligente.
2-    Não deixar jamais que seu leitor se sinta um idiota. Sustentar idiotices com as quais o leitor (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) se identifique, o que faz com que o mesmo se sinta inteligente.
3-    Abordar de forma sensacionalista qualquer tema. Qualquer assunto, seja socialmente relevante ou não, acaba sendo tratado de maneira espetacularizada.
4-    Transformar temas desimportantes em instrumentos de ataque e desqualificação da diferença. Por exemplo, a “depilação feminina” já foi um assunto apresentado de modo enervante, excitante, demonizante e estigmatizante. Nesse caso, o preconceito de gênero escondeu a falta de assunto do articulista.
5-    Distorcer fatos históricos adequando-os às hipóteses do escritor. Em uma espécie de perversão inquisitorial, o acontecimento acaba substituído pela versão distorcida que atende à intenção do autor do texto para idiotas.
6-    Atacar alguém. Este é um dos aspectos mais importantes da arte de escrever para idiotas. A limitação argumentativa esconde-se em ataques pessoais. Cria-se um inimigo a ser combatido. O inimigo é o mais variado, mas sempre alguém que representa, na fantasia do escritor, o ideal contrário ao dos seus leitores (os idiotas: o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool).
7-    Reduzir tudo a uma visão maniqueísta. Toda complexidade desaparece nos textos escritos para idiotas.  O mundo é apresentado como uma luta entre o bem e o mal, o certo e o errado, o comunismo e o capitalismo ou Deus e o Diabo.
8-    Desconsiderar distinções conceituais. Nos textos escritos para idiotas, conservadores são apresentados como liberais, comunistas são confundidos com anarquistas, etc.
9-    Investir em clichês e ideias fixas. Clichês são pensamentos prontos e de fácil acesso. Sem o esforço de reflexão crítica, os clichês dão a sensação imediata de inteligência. Da mesma maneira, o recurso às ideias fixas é uma estratégia para garantir a atenção do leitor idiota (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) e reforçar as “certezas” em torno das hipóteses do escritor (nesse particular, Goebbels, o chefe da propaganda de Hitler, foi bem entendido).
10-Escrever mal. A pobreza vernacular e as limitações gramaticais são essências na arte de escrever para idiotas. O leitor idiota não pode ser surpreendido, pois pode se sentir ofendido com algo mais inteligente do que ele. Ele deve ser capaz de entender o texto ao ler algo que ele mesmo pensa ou que pode compreender. Deve ser adulado pela idiotice que já conhece ou que o escritor quer que ele conheça.
(Para além do que foi identificado acima, fica a questão para quem deseja escrever para idiotas: como atingir a pobreza essencial na forma e no conteúdo que concerne a essa arte?)
A arte de escrever para idiotas constitui parte importante da retórica atual do poder. Saber é poder, falar/escrever é poder, e o idiota que fala e é ouvido, que escreve e é lido, tem poder. O empobrecimento do debate público se deve a essas “cabeças de papelão”, fato que é identificado tanto por pensadores conservadores quanto por progressistas.
O grande desafio, portanto, maior do que o confronto reducionista entre direita e esquerda, desenvolvimentistas e ecologistas, governistas e oposicionistas, entre machistas e feministas, parece ser o que envolve os que pensam e os que não pensam. Sem pensamento não há diálogo possível, nem emancipação em nível algum.
Se não houver limites para a idiotice, ao contrário da esperança que levou a escrever esse texto, resta isolar-se e estocar alimentos.
Fonte: Revista Cult Online

segunda-feira, 20 de abril de 2015

OS 3 GRANDES MOVIMENTOS DO DIREITO PENAL (por Rogerio Rocha)

Neste vídeo apresento as três principais correntes do pensamento do direito penal na atualidade, os aspectos que compõem seus fundamentos teóricos, com os modelos de sistema penal propostos pelos seus defensores. Os três movimentos apresentados são: o abolicionismo penal, o movimento Law and Order (Lei e Ordem) e o direito penal mínimo (ou do equilíbrio). Entenda o que pensam seus defensores e qual seria, para eles, a missão dos sistemas penais contemporâneos.


quarta-feira, 15 de abril de 2015

A ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATÃO E O RITO DE INICIAÇÃO MAÇÔNICA NO GRAU DE APRENDIZ


POR ROGÉRIO HENRIQUE CASTRO ROCHA (M.:M.:)




  


A ALEGORIA DA CAVERNA DE PLATÃO E O RITO DE INICIAÇÃO MAÇÔNICA NO GRAU DE APRENDIZ: UM ESTUDO COMPARATIVO







1 INTRODUÇÃO




O presente estudo tem por objetivo geral analisar os fundamentos simbólicos e filosóficos presentes no rito de iniciação do aprendiz maçônico, abordando, reflexivamente, aspectos doutririos envolvendo a figura do iniciado em seus primeiros passos dentro da vivência efetiva da Instituição Maçônica, especialmente no que diz respeito aos regramentos dispostos no R.: E.: A.: A.:

Propõe-se ainda a empreender breve análise comparativa entre a Alegoria da Caverna de Platão, constante de sua obra “A República (Livro VII) e a cerimônia de entrada do neófito no 1.º grau da maçonaria.




2 O neófito e sua entrada no mundo maçônico




Inicialmente, é importante ter em vista o contexto encontrado no início  da jornada do aprendiz na  caminhada  progressiva  e  ascensionade nossa Emérita Ordem.

O aprendiz maçom é importante frisar até bem pouco tempo, antes de travar o seu primeiro contato com a Arte Real, era um completo profano. Ainda assim, mesmo imerso nos afazeres da vida mundana, tal indivíduo trazia consigo, dentre outras tantas virtudes em potencial, duasem as quais não poderia aspirar sequer à condição de candidato: ser livre e de bons costumes.

É por ser portador destes imprescindíveis requisitos que candidata-se, preenche sua proposta de admissão, passa pelo crivo do exame de seus futuros pares (sobretudo em face dos requisitos legais e morais que lhes são exigidos), submete-se ao ritual iniciático da Cerimônia de Sagração ou Consagração (onde é investido na dignidade do grau) e, após passar por uma série de provas em cerimonial, realiza, por fim, as ‘três viagens’ de purificação simbólica para passar da condão de homem profano à de homem maçom.

Como se sabe, porém, o aprendiz é um neófito, isto é, um iniciante, inexperiente ainda, seja num ofício, seja numa arte ou num saber. É algm que ignora os conhecimentos mais profundos, os detalhes mais complexos, os ditames mais elevados a respeito de determinada técnica, assunto ou saber.



Para Jaime Pusch, citado pelo Irm.: Paulo Thomson de Lacerda, o
Grau de Apr.: M.: é

a fase purgativa e ativa da Inicião. Neste Grau o M.: se dedica ao aprendizado dos mistérios simbólicos básicos, leis, usos, costumes e história geral da Maç.:. Trabalha na P.: B.:. Deve  evoluir  de  homem  bruto,  amorfo,  profano,  o  homem polido, burilado, M.:. (A Trolha, Londrina, nº 308, p. 34, jun.
2012)

É, pois, este homem recém-chegado das lides profanas e recém-nascido maçom, agora inserido no ambiente cerimonioso e solene de uma Loja ou Oficina a quem se denomina aprendiz.

Mas,  afinal, em  termos  simlicos, que  representa  a  Iniciação
Maçônica? E qual relação existe entre esta e a alegoria do filósofo grego?




3 A alegoria da caverna em Platão: a transição humana da ignorância ao saber




Analogicamente, o melhor exemplo para se compreender a trajetória maçônica  do  aprendiz  em  relação  ao  simbolismo  do  rituade  iniciação encontra-se na famosa alegoria da caverna, descrita pelo filósofo grego Plao (séc. V a.C.).

Trata-se de texto que se desenrola em forma de diálogo filosófico e que possui extraordinária riqueza hermenêutica, dele se podendo extrair várias perspectivas de leitura ou sentidos (pedagógico, ético, epistemogico, político, metafísico, etc).

Nele  Platãexede  forma  sistemática,  o  que  seripara  si o modelo de estado ideal, bem assim toda a estrutura societária, moral e pedagógica que ajudariam a formar o rei-fisofo (governante da República) e os demais membros de cada classe social. A República, portanto, encontra-se fundada na crença permanente em que ningm merece progredir dentro de sua sociedade seo como resultado de seus talentos, habilidades e, mais importante de tudo, seu cater. E para isso, o processo de educação é basilar.

Presente no livro VII da obra “A República, a alegoria da caverna nos descreve a cena em que homens, nascidos e acorrentados no interior de uma caverna, nela permanecem sem poder mudar de posição e, portanto, sendo forçados a olhar somente para o fundo da caverna. Nessa parede veem, projetadas pelo sol que adentra uma fresta de entrada, por detrás de um muro pequeno, as sombras e silhuetas de seres e objetos que transitam no mundo exterior.


Na visão dos prisioneiros, acostumados à cegueira do ambiente cavernoso, tudo o que conseguiam admirar nas sombras lançadas sobre a parede à sua frente constituía-se em realidade (o mundo verdadeiro). Do lado de fora, onde transitam pessoas carregando objetos de diversos tipos, o sol brilha com intensidade.

Atrás dos cativos, no interior das trevas e abaixo do sol que invade a entrada superior da caverna, uma fogueira que arde, também projetando sombras ao interior do recinto.

Do mundo externo, ao qual ignoram por completo, também lhes vêm os ecos de vozes, ruídos e sons de toda ordem.

Familiarizados com a escuridão daquele mundo interior, acreditam piamente que tudo o que veem, ouvem e sentem trata-se da mais fiel e única realidade.

Supondo, entretanto, que um dos cativos quebrasse seus grilhões e enfim se voltasse para trás, transpondo o muro e alcançando a saída para o mundo exterior, qual não seria sua surpresa ao deparar-se com o forte clarão da luz do sol, a qual ofuscaria sua visão, tendo de acostumar-se primeiro, para só depois, e gradualmente, divisar uma nova realidade que se descortinava a sua frente.

Tal homem, recém-saído da caverna, alcançaria a luz e descobriria que o que pensava ser real não o era. A realidade verdadeira estava no mundo externo, clareado pela fulgurante luz solar.

Por fim, entenderia o ex-cativo ter vivido em um mundo de ilusões, um mundo de aparências, mero simulacro do real. E que doravante, com a ação que tomara, afastar-se-ia da ignorância e do erro para trilhar as sendas da verdade, do saber e do conhecimento intelivel.

Como se pode depreender, a alegoria platônica, em seus múltiplos contextos interpretativos, opera constantemente com a presença de dualismos ou dicotomias (sabedoria e ignoncia, apancia e realidade, trevas e luz, mundo superior e mundo inferior, etc.). Elementos estes que, como veremos a seguir, também se refletem nas práticas e simbolismos da iniciação maçônica.




4 Das sombras à luz: o itinerário do aprendiz na iniciação maçônica




A Iniciação Maçônica representa, em breves palavras, a Morte e a Ressurreição. A morte das trevas, do obscurantismo em que se encontrava o neófito, e sua renascença para a Luz da Verdade

A luz, tanto no mito platônico quanto na filosofia e simbolismo maçônicos, adquire vários significados, dentre eles o de esclarecimento, evolução, conhecimento, ingresso no universo da interioridade da busca intelectual. 

Não se pode esquecer, num paralelo com a caverna, que um dos prisioneiros ascende à luz, ou seja, sai da gruta, desvencilhando-se de suas cadeias e curando-se de sua ignoncia.

Ao receber a luz”, quando lhe são desvendados os olhos, o iniciado tem-lhe revelados os mistérios do primeiro passo dado na seara do misticismo. Como bem nos lembra Rizzardo da Camino (Breviário maçônico. 6.ed. Madras:  São  Paulo2012,  p.  326),  “o  maçom  e  todos  nós,  estamona escurio e ansiamos pela Luz”.

Então, a partir dessa alise, podemos, desde já, perceber os estreitos liames que enredam a trama tanto do iniciado maçônico em seu trajeto de passagem das celas, das masmorras, da prisão simbólica, da qual emerge ao final de sua sagração quanto a do cativo da caverna platônica.

Assim como o prisioneiro da caverna, o candidato a maçom adentra o templo sem nada ver nem conhecer. Ingressa às escuras, olhos vendados, o conhece ninguém, não sabe o que lhe aguarda, para onde se levado, o que irá acontecer daquele momento em diante. Simbolicamente, entra-se em outro mundo. Nos damos conta do quanto era vã a nossa existência, o quão pouco sabíamos das coisas, dos outros e de s mesmos.

Por horas a fio o iniciado permanece envolto em mistérios, sozinho, consigo mesmo e com seus pensamentos. A angústia e o temor lhe invadem. Dúvidas e inquietações lhe passam à mente. Impressões e sensações a todo instante lhe assombram. Sons pximos e ruídos distantes, vozes, um arrastar de s ou cadeiras, conversas, palavras ditas por pessoas que não sabe ao certo quem são e com que propósito o cercam.

Nesse instante, uma jornada de interiorização se inicia. O candidato, ainda ‘imerso nas sombras’, à espera do momento do início da cerimônia, volta-se para dentro de si mesmo, para sua caverna, nas ‘entranhas da terraonde ora habita, ‘prisioneirode sua ppria ignoncia, ‘acorrentadoaos seus cios e paixões mundanas. Assim como o cativo da obra platônica, vive a ilusão de que a realidade é tal como se lhe parece.

Na Câmara de Reflexões, por breve período, a escurio do ver lhe é amenizada. Em seu lugar surge, por sua vez, a gravidade das questões que lhes são lançadas, novamente a confrontá-lo com seus pprios pensamentos, a inquirir seus princípios, suas ideias, seus medos, sua existência e sua fortaleza espiritual.


Como nos ensina a ppria letra do rito do 1º grau, “o estado de cegueira, em que vos achais, é o símbolo do mortal queo conhece a estrada da Luz, que ides principiar a trilhar.” (Grande Oriente do Brasil. Ritual do 1º Grau: rito escocês antigo e aceito. São Paulo, 2009, p. 106).

Ademais, a analogia que aqui se tenta demonstrar também é notada, ainda no rito de iniciação, quando se faz menção à ligação existente entre o simbolismo da 1ª prova, a da Terra, e a caverna onde estivera recolhido o candidato, ao fazer suas disposições. (Idem, Ibidem, p. 108)

Ao final dessa jornada, consolidando a ideia aqui apresentada de paralelismo entre elementos do mito da caverna em relação a determinadas passagens dentro do ritual de iniciação maçônica, tem-se o momento áureo da cerimônia de sagração: o Fiat Lux(faça-se a luz ou que se lhe a luz).

A passagem das trevas à luz é uma alusão ao difícil trabalho de construção e reconstrução que se fada pedra bruta à pedra polida.

É o encerramento da travessia, o nascimento do novo homem.

No mito platônico corresponderia ao instante em que se passa do mund senve a supra-sensível.   Ou   seja,   trata-se   d caminhada ascendente entre o interior escuro da gruta e o seu exterior iluminado. Ou como bem assevera o filósofo grego, em importante passagem da obra em comento, que teríamos, em verdade, “a reorientação de uma mente de uma escie de cresculo para a verdadeira luz do dia e esta orientação é uma ascensão da realidade, ou em outras palavras verdadeira filosofia. (PLATÃO. A República, 1997).

Representaria, portanto, a passagem da visão da sombra à visão do sol. Do mundo cavernoso dos sentidos e falsas perceões à vida na pura luz, na dimensão do espírito; como que um libertar-se de grilhões. Verdadeira convero que se contempla e se completa na verdade racional que se manifesta à realidade.

As tomar consciência de suas falsas noções da realidade, o cativo/neófito nunca mais voltará a conduzir sua vida do mesmo modo. Ele foi iluminado. Como sustenta o Ir.: Stephen Michalak, essa é a base de toda iniciação. Mais ainda, pois consiste num processo que não acontece, como pode por vezes parecer, apenas e o-só em uma noite. Tal processo perdura por todo o restante dos nossos dias.

A profunda riqueza do mito nos deixa entrever, pois, sem sombra de vidas, elementos da caminhada mônica. Em sua vertente especulativa, vê-se a exigência de uma busca pelo conhecimento e o combate incessante a toda forma de obscurantismo. Em sua vertente operativa, a necessidade de que o saber seja aplicado na transformação do homem e do mundo.




Concluo 



Pretendeu-se, com o presente estudo, traçar uma breve análise comparativa entre a filosofia e o simbolismo presentes no mito ou alegoria da caverna, do filósofo grego Platão, e o ritual iniciático dgrau de aprendiz maçom do R.: E.: A.: A.:. Para tanto, teve-se por referencial teórico nessa pesquisa a doutrina de grandes expoentes da literatura e filosofia maçônicas bem como a exegese da filosofia platônica, a partir da interpretação dos significados encontrados no mito platônico, apresentado mais especificamente no livro VII da sua obra “A República”.

Do que se pôde concluir, após a exposição dos argumentos que serviram de base à referida alise, dentre outras coisas, vê-se que é grande a influência da filosofia platônica nos círculos especulativos e operativos da Maçonaria.

De igual modo, pode-se também afirmar que tal influência precede mesmo, na história, a fundação da ordem em sua configuração mais recente, como produto da modernidade franco-mônica, visto que remonta à época da longínqua antiguidade, bem como ao período medieval, onde o pensamento de Plao foi novamente estudado.

Outrossim, infere-se da leitura interpretativa do texto filosófico de “A República”,  para  além  da  mera  alusão  à  passagem  aqui  citada  de  sua conhecida alegoria, presente no Livro VII, inúmeras outras referências (simbólicas, práticas e epistemogicas), perfeitamente alinhadas aos preceitos ainda hoje constantes dos ritos e ofícios da Maçonaria.

Logo, não nos parece equívoco afirmar a existência de uma conexão lógica, ou seja, de uma correlação de sentidos entre a filosofia platônica e os ritos, simbolismos e a filosofia maçônicas. 
Ambas as concepções mostram-se voltadas, por seu fim, ao desenvolvimento de um autogoverno humano, capaz de permiti-lo, através da reflexão filosófica e da busca de si mesmo, libertar-se das amarras da ignoncia para, enfim, galgar novas escalas no seu aprimoramento pessoal, moral e social, transformando-se e ajudando a transformar para melhor a realidade que o cerca.




Referências




ABRÃO, Bernardete Siqueira. História da filosofia. São Paulo: Nova Cultural,
2004.

AS RAÍZES PLANICAS DO PENSAMENTO MAÇÓNICO. Disponível em:

CAMINO, Rizzardo da. Breviário Mônico. 6. ed. São Paulo: Madras, 2012.

CASTELANI,  José.  Dicionário  de  termos  mônicos.  3.  Ed.  Londrina: A Trolha, 2007.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15. ed. reform. e ampl. o Paulo: Saraiva, 2002.

DELIA JUNIOR,  Raymundo.  Maçonaria:  100  instruções  de  aprendiz.  São
Paulo: Madras, 2012.

GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Ritual do 1º grau: rito escocês antigo e aceito. São Paulo, 2009, p. 106.

LACERDA, Paulo E. Thomson de. Ser aprendiz. A Trolha, Londrina, n.º 308, p.
34-35, jun. 2012.

LIMA, Walter Celso de. Ensaios sobre filosofia e cultura maçônica. São
Paulo: Madras, 2012.

MICHALAK,  Stephen.  A influência  de  “A República de  Platão  sobre  a monaria e o ritual maçônico. Disponível em: <http:// http://bibliot3ca.wordpress.com/platao-e-o-ritual-maconico/        Acesso        em
07/12/2012.
PLAO. A República. trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: filosofia pagã antiga.

Trad. Ivo Stormiolo. o Paulo: Paulus, 2003.