Por Mariana Ribeiro
Somos tão livres como nunca fomos. Pode-se escolher carreira, viagens, hobbies, pessoas. Acima de tudo pessoas. Pode-se trocar de carreira, de hobbies e de pessoas, o tempo todo. Por que o resultado disso não é maravilhoso? Por que os cidadãos da era tinder são tão solitários? Por que os pregadores do desapego nas redes sociais parecem tão felizes e divertidos por lá e na realidade estão em desespero, viciados em remédios? E de onde foi que eles saíram?
Estas pessoas são solitárias, não por que não socializem, não saiam com os amigos, não se divirtam. Elas fazem tudo isso e ainda têm um tinder que bomba. Mas não criam laços. Todas essas coisas e pessoas (excetuando um bom amigo ou outro) são efêmeras e desaparecem quando se está doente ou sem dinheiro. Puf!
O trabalho do sociólogo polonês Zygmunt Bauman nos emprestou as palavras para falarmos desse fenômeno social que estamos vivendo.
As explicações sobre a atual liquidez de tudo vieram a calhar, para aqueles que têm a coragem de admitir e que têm interesse no que se passa ao nosso redor. Em trabalhos como: “modernidade líquida” e “amor líquido” encontram-se temas chave que nos ajudam a nos situar no caos moderno. Tais como: a perda de espaço e tempo implicados pelo avanço tecnológico, a fragilidade dos laços humanos, a substituição de relações presenciais por on-line e etc.
Mas este artigo não é para falar de Zygmunt e sim para entendermos através do embasamento que seu trabalho nos oferece, como nos tornamos fabricantes de solidão e legitimadores da mesma.
Quando falo do que “vivemos hoje”, não é por empatia com tempos passados, falo do fenômeno social ocorrido como consequência de avanços tecnológicos e culturais, principalmente a ideologia moderna da “liberdade”. A ideia de ser livre e de poder fazer o que quiser, a desconstrução de valores, que agora são extremamente relativos.
Você começa uma família se quiser e quando quiser, você tem filhos se quiser, você viaja para onde quiser, você não precisa se relacionar com o sexo oposto, você é livre! Estamos todos inseridos na cultura do respeito às diferenças. E tudo isso são avanços inegáveis, mas ainda não estamos no paraíso por quê?
Todos os nossos avanços vieram acompanhados de evoluções tecnológicas que nos tiraram a noção de espaço e tempo interligados, como disse Bauman: “O tempo se tornou dinheiro depois de se ter tornado uma ferramenta (ou arma?) voltada principalmente a vencer a resistência do espaço: encurtar as distâncias, tornar exequível a superação de obstáculos e limites à ambição humana.” (BAUMAN, Modernidade Líquida, 2001, p.130)
Está dada a largada então, para a conquista de espaço no menor tempo possível e os competidores são, as um dia crianças, ensinadas que podiam ser o que quisessem. E isso é o que importa agora, sucesso financeiro, aquisição de espaço, ambição. Laços de afeto e a espiritualidade são complementos necessários na vida de um cidadão moderno, saudável e bem-sucedido, mas apenas complementos. E é muito bom que todos tenham esses complementos, assim como carimbos no passaporte. E o ideal é que sejam colocados em um futuro seguro e incerto (porque nada é certo), onde não possam afetar suas prioridades de carreira e dinheiro.
É preciso um espaço só seu para se concentrar nas prioridades, para focar e competir no dia a dia com máxima eficiência. Cria-se uma bolha.
E de dentro das bolhas do individualismo olha-se para fora, para uma imensidão de possibilidades. As redes sociais disseminam a sensação de que há uma infinidade de pessoas a nossa volta, todas legais e felizes, tentando parecer mais bonitas e mais felizes que outros. Todas postando seus momentos de alegria e sucesso. Cria-se um ideal inalcançável, pois é atualizado o tempo todo nas redes. Então cá no nosso dia a dia como escolher alguém?
Com uma escolha feita parece-se estar perdendo tanto! Como amar alguém e perder as experiências maravilhosas com as pessoas maravilhosas que lotam o facebook e o instagram?
Além disso, as pessoas presenciais são humanas e falhas, dão trabalho e nunca correspondem ao ideal disseminado pelas redes. E aí é que são descartadas e trocadas por outras. Sempre na compulsão de tentar de novo, de achar a pessoa certa, que “cabe no sonho”, como disse Cazuza. É muito fácil dizer que não deu certo e se desprender de responsabilidades na tentativa, dizer: “é a vida”.
E volta-se para casa só e começa-se tudo de novo amanhã.
Fazemos-nos todos descartáveis e reclamamos quando somos descartados, reclamamos da solidão dentro da bolha. Coloca-se a culpa num mundo louco e insensível, quando nós somos o mundo. E a coisa real que todos compartilhamos no fim das contas é a solidão. Ninguém está realmente lá, todos estão indo e vindo. Bauman explica o fenômeno dos laços frouxos e repetitivos que fazemos:
O cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o restante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência. De qualquer modo, eles só precisam ser frouxamente atados, para que possam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem — o que, na modernidade líquida, decerto ocorrerá repetidas vezes. (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.6)
As consequências da liberdade são assustadoras. Ela é um fenômeno que a maioria ambiciona entender, uma fonte de prazeres e dores de que ninguém abre mão. Talvez todos pensem entender a liberdade, pois têm um conceito individual da mesma, mas ela está acima das ideias.
A liberdade é acima de tudo ambígua. Zygmunt diz que nenhuma sociedade conseguiu ainda o equilíbrio entre segurança e liberdade, se estamos seguros somos escravos e se estamos livres, não temos segurança. Estamos mais para o segundo caso, somos livres, mas temos tudo líquido a nossa volta, nada seguro.
E quem vai ter a coragem de construir um relacionamento seguro abrindo mão da sua liberdade pessoal? Esta pseudo-liberdade de fazer tantas coisas que não darão frutos e que oferece momentos de inserção na ideia atual de felicidade.
E ainda, quem serão os mais que corajosos a investir em algo sólido, com laços afetivos, confiança, lealdade e durabilidade, com dores e prazeres a longo prazo, quando o resto do mundo irá considerá-los fora de moda e sem ambição?
Talvez, por isso, é que nem mesmo pessoas totalmente conscientes dessa realidade conseguem criar laços duradouros, afinal, é suicídio social ser fora de moda e sem ambição.
E como diz Bauman: “Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.” (BAUMAN, Amor líquido, 2004, p.12).
Como já foi dito, os planos de formar família ou mesmo um relacionamento duradouro são colocados num futuro incerto e distante, “vou querer quietar um dia”, ouve-se muito isso. As pessoas acreditam estar aprendendo com suas experiências de amores líquidos, ficadas e rolos, para um dia aplicar a um relacionamento que já vem sendo idealizado, mais inalcançável depois de cada experiência, obtida com pessoas defeituosas, de forma que se exige mais e mais daquela que seria a certa.
É um erro acreditar que a experiência de se relacionar superficialmente irá gerar experiência para um relacionamento duradouro. Relacionar-se superficialmente ensina a ser cada dia melhor nisso, enquanto a experiência de fazer durar só se adquire fazendo durar. Sobre isso Bauman diz:
Essa é, contudo, outra ilusão... O conhecimento que se amplia juntamente com a série de eventos amorosos é o conhecimento do “amor” como episódios intensos, curtos e impactantes, desencadeados pela consciência a priori de sua própria fragilidade e curta duração. As habilidades assim adquiridas são as de “terminar rapidamente e começar do início” [...] Guiado pela compulsão de tentar novamente, e obcecado em evitar que cada sucessiva tentativa do presente pudesse atrapalhar uma outra no futuro... (BAUMAN, Amor Líquido, 2004, p.11)
Toda essa cultura e essa vivência de correr atrás do vento fabricam solidão e não daquele tipo que se precisa de vez em quando, mas de um tipo disfarçado e disseminado, que está nas nossas músicas e filmes, está nas redes e na moda, está no estilo de vida e tem corroído por dentro a fé da humanidade na humanidade.
Quem não viu o primeiro episódio do famoso seriado Americano, Sex And The City, baseado no livro de Candace Bushnell? A narração de Carrie Bradshaw que abre o seriado:
Bem-vinda à época da não-inocência [...] Autopreservação e fazer bons negócios são mais importantes. O cupido voou do pedaço. Como diabos viemos parar nessa bagunça? Há milhares de mulheres nessa situação, todos as conhecemos e concordamos que são ótimas. Elas viajam, pagam impostos, pagam 400US$ em um par de sandálias Manolo Blahnik e são solitárias.
Quem não viu o filme Her, e acompanhou a maneira fácil e a gradual com que o personagem Theodore se apaixona por um programa de inteligência artificial, chamado Samantha, criado para ajudar usuários a se organizarem em suas vidas online? A ex-esposa de Theodore diz a ele:
É o que você sempre quis. Ter uma esposa sem o desafio de ter que lidar com algo real.
Se quisermos alterar essa realidade, será preciso parar a corrida em diversos momentos e olhar para o outro, desobrigando-o de ser fantástico, pois ele não é um filme ou seriado, é um ser humano. E o outro ser humano é o único que pode corresponder com a companhia que nós, por natureza, necessitamos.
Desculpe, também não é seu cachorro!
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