quarta-feira, 25 de setembro de 2019

MINICURSO FILOSOFIA E SOCIOLOGIA COMO BASES ARGUMENTATIVAS PARA A REDAÇÃO

Na segunda edição do curso, vamos apresentar aos alunos as ferramentas argumentativas da sociologia e da filosofia que irão alavancar suas notas nas redações.
Valor da inscrição: R$ 50,00.
Turma com máximo de 24 alunos.
Pagamento por transferência bancária: Agência 2972-6, Conta corrente 22579-7 (Banco do Brasil) ou no local e dia do evento (caso existam vagas).

terça-feira, 30 de abril de 2019

UM NOVO DESAFIO PARA A FILOSOFIA E A SOCIOLOGIA?

Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das Humanidades?

Essa resenha foi publicada em 2013 a partir da versão espanhola do livro (Trad. Victoria Rodil. Katz, 2010) de Nussbaum, que ganhou publicação no Brasil pela Martins Fontes em 2015. O texto de Nussbaum merecia ser mais lido e problematizado.
capa da edição brasileira


Marcos Carvalho Lopes[1]
Quem já leu o livro de Martha Nussbaum Cultivating Humanity encontrará neste novo opúsculo poucas novidades. A principal delas é o tom apocalíptico desta obra que é um manifesto com a “intenção de funcionar como um chamado para a ação” (2010: p.162). A urgência de seu apelo estaria justificada pelo cenário de crise econômica global, que tornou mais evidente e acirrado o conflito entre as demandas de uma educação voltada para a cidadania contra um modelo tecnicista de educação com o objetivo de gerar crescimento econômico em curto prazo.  Este embate é descrito por Nussbaum como uma crise silenciosa da educação que coloca em risco a própria Democracia, já que este sistema de governo pressupõe o cultivo de diversas crenças e hábitos de ação que capacitam o cidadão para uma vida plena e não somente para funcionar de modo lucrativo. Estaríamos dispostos a abrir mão da Democracia em nome do crescimento econômico de curto prazo?
O exemplo de Singapura é aquele que assombra os educadores como um mal guia. Singapura é uma cidade-estado muito rica (com o terceiro maior PIB por habitante do mundo) e economicamente competitiva. Sua prosperidade econômica ajuda a manter a estabilidade de um regime político contrário às liberdades democráticas. A vigilância e censura sobre o comportamento público e privado anda junto com políticas de eugenia (destinadas a aumentar a natalidade naquelas classes consideradas altamente produtivas) e um sistema de educação altamente hierárquico e tecnicista (NUSSBAUM, 2004: p.15). Os índices sobre a qualidade de educação em Singapura são excepcionais – ocupa, por exemplo, o quinto lugar no índice de leitura, a segunda posição em Matemática e a quarta em Ciência no Pisa, Programa Internacional de Avaliação de Alunos que envolve 65 países (DORETTO, 2012);  o que cabe questionar é se o foco neste modelo de educação direcionado para bons resultados em provas quantitativas de múltiplas escolhas seria adequado para a formação de cidadãos críticos e autônomos. O exemplo de “bom desempenho” de um professor dentro de uma Ditadura pode servir de espelho para países democráticos? O presidente norte-americano Barack Obama é um dos que se mostrou seduzido pelo modelo tecnicista daquela cidade-estado. Comparando o sistema de educação de Singapura e outros países do Oriente com o dos Estados Unidos afirmou: “eles passam menos tempo ensinando coisas que não importam. Não preparam seus alunos só para a universidade ou para a escola secundária. Os preparam para uma carreira de trabalho. Nós não” (citado por NUSSBAUM: 2010: p.183).
Nussbaum concordaria com Obama na avaliação de que os Estados Unidos nunca tiveram “um modelo de educação voltado puramente para o crescimento econômico” (2010, p.38), justamente por manter uma orientação humanística que fomenta uma cultura política democrática. Abrir mão desta perspectiva humanística seria, para a filósofa norte-americana, como abrir mão da própria “alma” (soul).[2] Em verdade, o que Nussbaum chama de alma teria uma melhor tradução em português como “espírito” no sentido hegeliano daquilo que permite participar da conversação da humanidade, já que ela se refere “às faculdades de pensamento e imaginação, que nos fazem humanos, que tornam nossas relações, relacionamentos humanos plenos, ao invés de relações de uso e manipulação” (NUSSBAUM, 2010b: p.6). No entanto, esta terminologia não é utilizada por acaso: o uso de “alma” faz com que o conflito sobre o modelo de educação seja visto platonicamente como algo que se repete dentro de cada individuo, como se a Democracia necessitasse do cultivo por parte de cada cidadão de determinadas virtudes democráticas:
Se o verdadeiro choque de civilizações reside, como penso, na alma (soul) de cada indivíduo, com a ganância e o narcisismo lutando contra o respeito e amor, todas as sociedades modernas estão perdendo a batalha em um ritmo acelerado, pois estão alimentando as forças que impulsionam a violência e a desumanização, ao invés das que conduzem a uma cultura de igualdade e respeito. Se não insistimos na importância fundamental das artes e das humanidades, elas desaparecerão, porque não servem para ganhar dinheiro. Produzem algo muito mais valioso do que isso; geram um mundo em que vale a pena viver, com pessoas capazes de ver os outros seres humanos como pessoas plenas, merecedoras de respeito e empatia, com pensamentos e sentimentos próprios; e nações capazes de superar o medo e a desconfiança em prol de um debate simpático e razoável (tradução minha NUSSBAUM, 2010: p.189).
Mas o crescimento econômico combina com o cultivo de valores democráticos? A resposta de Nussbaum para esta questão parece dúbia; por exemplo, por um lado afirma que “existem dados empíricos que demonstram a escassa correlação existente entre” o crescimento e a melhoria “da saúde, da educação ou da liberdade política” (NUSSBAUM, 2010a: p.34); por outro, afirma que o cultivo da imaginação através das artes e do pensamento crítico são “fundamentais para o crescimento econômico e a conservação de uma cultura empresarial sadia” (NUSSBAUM, 2010a: p.151). Esta aparente indecisão se esclarece em parte pelo questionamento que a filósofa norte-americana faz da ideia corrente de desenvolvimento e progresso como crescimento do PIB. Para ela é preciso que o crescimento econômico não descarte valores que as sociedades democráticas tomam – em sua constituição – como inalienáveis, os direitos civis e políticos que garantem a igualdade – independente de raça, gênero ou credo religioso – perante a lei (NUSSBAUM, 2010a: p.37). Tanto os Estados Unidos quanto a Índia, países que são o foco de sua análise, assumem estes compromissos democráticos em sua constituição; o que deve significar o cultivo de valores democráticos para além de qualquer obcecação por crescimento econômico. Por isso mesmo, seria mais adequado pensar o progresso e a saúde econômica tomando o paradigma do Desenvolvimento Humano criado por Amartya Sen, aonde o mais importante são as oportunidades ou “capacidades” para que cada pessoa tenha acesso à saúde, integridade física, liberdade política, participação política e educação (NUSSBAUM 2010a: p.47 e 2010b: p. 24). A partir desta perspectiva mais ampla do que significa progresso e crescimento econômico, quando a distribuição de renda e o acesso a bens primordiais contam como índice de avaliação, as artes e as ciências humanas são valorizadas como adequadas para desenvolver certas capacidades que permitem participar da conversação da humanidade. E as enumera: 1) capacidade de desenvolver um pensamento crítico, o que significa o autoexame em sentido socrático, questionando tradições e só aceitando crenças que sobrevivem as exigências da razão; 2) capacidade de se posicionar como “cidadão do mundo”, transcendendo as lealdades nacionais como ser humano vinculado aos demais seres humanos; e 3) a capacidade de imaginação narrativa, que permite se colocar no lugar de outra pessoa (NUSSBAUM 2005: p.28-30 e 2010a: p.26). Cada uma destas capacidades é tema de um dos capítulos do livro de Nussbaum.
No entanto, antes de tematizar detidamente tais capacidades, Nussbaum desenvolve através de exemplos da psicologia uma espécie de “genealogia” antinietzschiana; procurando justificar porque aqueles que defendem a manutenção das instituições democráticas baseadas no respeito ao próximo, devem enfrentar as constantes ameaças do egoísmo, já que esta postura gera aversão ao Outro e a tendência para hierarquização. A autora parte da descrição do bebê imerso no egoísmo infantil, um principio natural narra a partir do qual deve-se pensar seu desenvolvimento moral até que adquira a possibilidade de desenvolver relações de reconhecimento pleno e simpatia em relação ao outro. Para tanto, é preciso que supere o egotismo, o que se dá primeiramente através de relações instrumentalizadas, até que adquira as capacidades de (1) compreensão, vendo o outro como um fim e não como um meio (algo que destaca ser característica comum de outros mamíferos, como macacos, elefantes e cachorros) e (2) de pensamento empático, a aptidão para perceber o mundo a partir da perspectiva do outro (algo que os macacos são capazes de fazer).
O estimulo ao desenvolvimento destas habilidades ajudaria a superar as construções infantilizadoras que separam os seres em puros e impuros, humanos e monstros. Nussbaum critica os contos infantis que promovem esta divisão, dando a ideia de que o mundo encontrará a paz quando os diferentes – monstros, bruxas, ogros etc. – forem exterminados; em contraste, exalta o universo complexo dos filmes de Hayao Miyazak (diretor das animações como A Viagem de Chihiro e Túmulo de vagalumes) e o livro Onde vivem os monstros de Maurice Sendak.
A filósofa descreve diversos contextos em que o egocentrismo infantil tende a se repor, como por exemplo, no “mito do controle total”, na fantasia de invulnerabilidade e de possuir uma competência maior que os demais humanos. Esta tentativa de “controle total”, geralmente masculina, tende a gerar vergonha e intolerância ante o fracasso inevitável; algo que pode ser contornado com a aceitação da debilidade humana (o que noutro contexto Nussbaum chama de dimensão trágica da existência), da interdependência e necessidade de ajuda mútua. A “fragilidade da bondade” é demonstrada através da descrição de alguns experimentos de psicologia (como os clássicos testes de Stanley Milgran, que expôs que as pessoas continuavam dispostas a aplicar choques elétricos em outros humanos mesmo que estes últimos demonstrassem dor, uma vez que eram avalizadas pela autoridade do cientista que lhes dava ordens) por meio dos quais, exemplifica, como a ausência de responsabilidade, a falta de opinião crítica e a desumanização do outro geram contextos em que as pessoas se tornam propensas a ter um comportamento perverso (NUSSBAUM 2010a: p.72). Esta tendência de transferir responsabilidade para o outro é algo que o cultivo da capacidade/virtude socrática de autoexame ajuda a superar.
Nussbaum destaca a importância da pedagogia socrática, caracterizada por incentivar os alunos a desenvolver questionamentos e o autoexame de suas crenças. A autora se utiliza do controverso termo “maiêutica socrática”, o que faz crer que a partir dos estímulos corretos todos os alunos chegariam ao desenvolvimento de pensamento crítico e empatia em relação ao outro e aos valores democráticos. Nussbaum descreve uma narrativa de desvelamento deste método que pede a participação ativa da criança partindo de Sócrates e passando por Jean-Jacques Rousseau, Johann Pestalozzi, Friendrich Froebel, Bronson Alcott, Horace Mann etc. que culmina nos exemplos de John Dewey nos Estados Unidos e de Rabindranath Tagore na Índia.
Em relação à “cidadania mundial”, Nussbaum critica os norte-americanos por ficarem demasiadamente presos a sua cultura: seria primordial que tivessem contato mais próximo com culturas estrangeiras e que aprendessem ao menos outro idioma. Mas o exemplo principal da autora são os efeitos perversos que as distorções no ensino de História podem provocar: denuncia a ausência de uma perspectiva cosmopolita lembrando o exemplo negativo das narrativas que desconsideram continentes inteiros – como a África e a Ásia – mantendo uma visão eurocêntrica.
Também põe em questão as narrativas provincianas e nacionalistas, especificamente trata de como a história da Índia aparece em alguns péssimos livros didáticos (desenvolvidos para a memorização acrítica), que relatam as origens do país como uma espécie de civilização superior a todas as outras que foi contaminada negativamente pela presença estrangeira. Em livros didáticos do Estado de Gujarat as narrativas xenófobas chegam ao extremo de destratar Gandhi e exaltar Hitler como um herói. Não por acaso este estado optou por um modelo excludente de desenvolvimento econômico e por uma educação tecnicista. Não por acaso também, em 2002 um massacre em Gujarat promovido por elementos violentos da direita matou 2000 muçulmanos e, em 2012, causou escândalo a inauguração de uma loja de roupas masculinas com o nome “Hitler” e a suástica como logotipo. Existe um punhado de lojas com nomes semelhantes na região, o que é sintoma da ausência de uma cultura política democrática. Para uma cidadania mundial é necessário que a narrativa da História seja desenvolvida de um modo complexo, mostrando a interconexão entre diferentes povos e culturas, problematizando as possibilidades interpretativas, incentivando cada pessoa a superar suas lealdades imediatas na direção de uma visão mais abrangente.
Na descrição dos benefícios da literatura e das artes no desenvolvimento da capacidade de empatia, Nussbaum se concentra em exemplos de sua experiência pessoal com o teatro, do valor dado à dança para Tagore, educador indiano, e dos resultados de inclusão que a formação de corais alcançou em Chicago. Estas atividades nos ajudam a desenvolver a imaginação criativa, colocando os alunos na perspectiva de outras pessoas, muitas vezes de culturas diferentes. Neste ponto a descrição de Nussbaum vale pelo sentimento que procura incutir, atraindo a identificação do leitor. Quem quiser uma argumentação detalhada sobre o lugar que a filósofa norte-americana dá à literatura, por exemplo, terá que procurar outras obras.
O livro de Nussbaum, contra suas intenções, pode servir como um instrumento para justificar a valorização das humanidades, já que, de acordo com sua argumentação, economias sadias que apostam na inovação precisam contar com as virtudes imaginativas que as humanidades são capazes de desenvolver. A recusa de Nussbaum em pensar a utilidade das humanidades para o desenvolvimento econômico – tomando-as como fundamento de virtudes democráticas que devem ser valorizadas em si mesmas – acaba enfraquecendo seu discurso em um horizonte não essencialista. Isso não retira a urgência e validade de seu apelo. A narrativa apaixonada de Nussbaum não traz muita coisa nova para aqueles que lidam com a Educação, mas deixa manifesto: o rei está nu.
Martha Nussbaum
REFERÊNCIAS:
DORETTO, Juliana.”Vale quanto ensina”.Saber.In: Folha de São Paulo. 18/04/2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saber/sb1804201101.htm Consultado em 08/10/2012. 
NUSSBAUM, Martha. República de Platão: a boa sociedade e a deformação do desejo. Trad. Ana C. da Costa e Fonseca, et Al. Porto Alegre: Bestiário, 2004.
_______. El cultivo de la humanidad. Uma defensa clásica de La reforma em La educación liberal.  Trad. Juana Pailaya. Barcelona: Paidós, 2005. 
_______. Not for profit.
_______. Sin fines de lucro. Por qué la democracia necesita de las humanidades. Trad. Mária Victoria Rodil.  Buenos Aires/Madrid: Katz, 2010a.
______. Not for profit : why democracy needs the humanities. Princeton: Princeton University Press, 2010b. 

Publicado originalmente em https://filosofiapop.com.br/texto/sem-fins-lucrativos-por-que-a-democracia-precisa-das-humanidades-resenha-do-livro-de-martha-nussbaum/

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Camille Paglia: “As mulheres nunca serão verdadeiramente livres se não deixarem os homens serem livres”



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Camille Paglia (intelectual, ensaísta e crítica social)
Em entrevista publicada no site Fronteiras do Pensamento (26/06/2017), a intelectual falou sobre seu novo livro - uma coleção de seus textos que mais fizeram sucesso falando sobre gênero, sexo e feminismo de 1990 a 2016 -, sobre feminismo nos Estados Unidos, liberdade e pensamento.
 

Seu livro se chama Free Women, Free Men. Por que você acredita que os homens precisam ser livres para que as mulheres sejam livres?
Minha principal inspiração desde a adolescência são as décadas emocionantes de 1920 e 1930, depois que as mulheres norte-americanas ganharam o direito de votar nos anos 20. Eram tantas figuras femininas entrando nas profissões — como meus ídolos Amelia Earhart e Katharine Hepburn, que estavam determinadas a mostrar que as mulheres podiam atingir o mesmo nível que os homens. As mulheres ousadas daquele período não insultavam ou denegriam os homens. Elas admiravam o que eles tinham feito e simplesmente exigiam a oportunidade de mostrar que as mulheres podiam se igualar a eles ou superá-los. Uma das minhas querelas persistentes com a segunda onda do feminismo é como insultar os homens se tornou o padrão desde o começo. Movimentos sempre atraem fanáticos ou pessoas com personalidades borderline, e foi exatamente isso que aconteceu. Muitas mulheres problemáticas amarguradas com homens tomaram o discurso feminista. Kate Millett era um bom exemplo disso — sua vida foi uma série de crises mentais e hospitalizações.
O que estou dizendo em Free Women, Free Men é que as mulheres nunca serão verdadeiramente livres se não deixarem os homens serem livres — o que quer dizer que os homens devem ter o direito de determinar suas próprias identidades, interesses e paixões, sem a vigilância intrusiva e censura das mulheres com sua própria agenda política. Por exemplo, se há um Centro das Mulheres oficial na Universidade de Yale (que existe mesmo), deveria haver um Centro dos Homens também — e os homens de Yale deveriam ser livres para fazer e dizer o que quisessem lá, sem gente bisbilhoteira pronta para denunciá-los ao escritório totalitário de assédio sexual. 
O livro argumenta que os homens da classe trabalhadora são ignorados. Como a sociedade tem ignorado as contribuições deles?
Fico indignada com mulheres mimadas, afluentes e de classe média alta cuspindo cronicamente retórica feminista anti-homens, enquanto continuam cegas ao trabalho e sacrifício constante ao redor delas, trabalho de homens de classe trabalhadora que continuam criando e mantendo as fabulosas infraestruturas que tornam a vida moderna possível no mundo ocidental. Apenas uma pequena porcentagem de mulheres quer entrar nas indústrias nas quais o trabalho físico pesado realmente acontece — encanamento, eletricidade, construção. As mulheres não tiveram virtualmente nenhum papel em erguer essas torres magníficas em cada grande cidade do mundo. São os homens que operam os guindastes, deitam as fundações ou lavam janelas no 85º andar. São homens que se levantam às 2 da manhã durante uma tempestade de gelo para restaurar a energia nos bairros onde árvores caíram e derrubaram as fiações. São os homens que misturam e espalham alcatrão fétido quente nos tetos das cidades. Ano passado, numa cidade próxima, passei de carro por uma cena caótica: trabalhadores em macacões de proteção lutavam contra um gigantesco cano quebrado, com esgoto puro vazando pela rua. Claro que todos aqueles trabalhadores que estavam até o joelho na água marrom eram homens! Já vi números indicando que 92% das pessoas mortas no trabalho são homens — e precisamente porque os homens estão heroicamente fazendo a maioria dos trabalhos perigosos na sociedade moderna. A cegueira burguesa das líderes feministas ao trabalho de baixo escalão dos homens é moralmente corrupta! Os homens gays, por outro lado, sempre mostraram sua admiração com a masculinidade e força da classe trabalhadora. Não é coincidência que um pedreiro musculoso de capacete era um dos personagens icônicos do grupo disco The Village People durante a era do Studio 54!
 O que o feminismo poderia aprender com as mulheres do campo?
Mulheres do Sul: Velhos Mitos e Novas Fronteiras, uma palestra que dei na Universidade do Mississippi em 2014, foi publicada pela primeira vez nesse novo livro. Foco em três estereótipos do Sul dos EUA: a velha mulher da montanha, a mãe e a bela do Sul. Um dos temas recorrentes do livro são os pressupostos excessivamente burgueses ou classe média branca de muito do pensamento feminista hoje. Por exemplo, acho Sheryl Sandberg, do Facebook, insuportavelmente presunçosa e metida. Acho que o best-seller dela, Lean In, foi desonesto em não reconhecer como o estilo de vida de executivas como ela depende de um exército de empregadas e babás, que ela cuidadosamente manteve invisíveis. Argumento que as mulheres do campo da era agrária eram física e mentalmente mais fortes que as carreiristas do feminismo de hoje, que fazem pilates e aulas de spinning em academias caras. Mulheres do campo tinham grandes vozes e grandes atitudes — algo que observei por mim mesma quando criança. As idosas italianas, frequentemente viúvas usando preto, eram duronas e destemidas. Você não devia ficar no caminho delas ou seria derrubado — ou elas te derrotavam com uma voz que poderia quebrar paredes! Uma das minhas cenas favoritas de todos os tempos é o primeiro momento em que vemos Hattie McDaniel como Mammy em E o Vento Levou: ela está com a cabeça para fora de uma janela no segundo andar, gritando com Scarlett — uma reprimenda no volume máximo. Isso me leva de volta para minha infância, porque era exatamente assim que as mulheres italianas do interior se comportavam, incluindo minha querida avó materna. A grande ironia é que muitas das garotas brancas privilegiadas de classe média hoje, nas escolas de elite, não conseguem se expressar assim nem para gerenciar sua vida amorosa. Elas correm para proxies em comitês dos campi para intervir por elas. Isso não é feminismo — é neurose e histeria.
Como os jovens devem preservar a liberdade de expressão?
Se levantem, falem, se recusem a ser silenciados! Mas identidade é a verdadeira fonte de opressão, que é algo incorporado na estrutura cada vez mais bizantina da educação superior. Vá contra o estado-babá das administrações universitárias, que te sujeitam a uma vigilância autoritária e controle de pensamento antidemocrático! Escrevi um alerta profético sobre isso no meu artigo de 1992 A Corrupção das Humanas nos EUA, que foi publicado em Londres e reimpresso no meu novo livro. O avanço rápido e descontrolado dos administradores pagos em excesso nas universidades nos últimos 30 anos marginalizou o corpo docente, degradou a educação e converteu os estudantes em ferramentas de marketing. Os administradores estão trancados numa relação comercial mercenária com os pais que pagam as mensalidades, e numa simbiose coerciva com reguladores intrusivos do governo federal. Os jovens têm sido passivos demais sobre o grau em que suas vidas são controladas por comissários da engenharia social, que se alia ao liberalismo, mas cujas raízes estão nos autocratas stalinistas que desprezam e sufocam o individualismo. Não há desculpas para essa ascensão grotesca dos valores nas mensalidades universitárias, que têm falido famílias e imposto dívidas incapacitantes para estudantes que estão tentando começar a vida. Quando os jovens vão acordar para a ligação entre as dívidas rampantes dos estudantes e a repressão sancionada pela administração à liberdade de expressão nos campi? Siga o dinheiro — a estrada de tijolos amarelos que leva até uma nova classe de senhores administradores. 
Em 1992, você disse a Daniel Richler que ia jogar o pós-estruturalismo "no mar". Você conseguiu?
Não consegui! Apesar de ter ajudado a derrubar Jacques Derrida e Jacques Lacan, o pós-estruturalismo centrado em Michel Foucault continuou a se espalhar como uma praga pelas universidades norte-americanas, e já chegou ao Brasil multirracial, que tinha um sistema sexual muito superior ao nosso. Em Free Women, Free Men, publiquei um artigo longo que escrevi em 2013 para The Chronicle of Higher Education, onde revisei três livros de jovens acadêmicas sobre novas tendências em bondage e dominação. Foi chocante encontrar tantas evidências atuais da tirania intolerável de professores pós-estruturalistas, sugando o sangue vital de jovens professores e escritores idealistas. Esse lixo elitista tem destruído as humanas. Pós-estruturalistas são falsos e ignorantes. Eles sabem tão pouco sobre história intelectual de alto nível que realmente acham que Foucault inventou a maioria das ideias pelas quais o saúdam. Ele era um ladrão que escondia suas fontes reais (como Emile Durkheim e Erving Goffman). Foucault era um jogador cínico que não sabia literalmente nada sobre qualquer período ou disciplina antes da Revolução Francesa. O exército de professores de humanas que caíram na conversa de Foucault são ingênuos de dar pena. Não dou a mínima para eles, mas eles deveriam ser punidos com escárnio e perda de reputação por sua destruição amoral da nova geração de acadêmicos.
No livro, você chama a si mesma de pornógrafa. Alguns dos pornógrafos mais influentes dos EUA, Hugh Hefner e Larry Flint, estão envelhecendo para a morte. Qual será o legado deles?
Apesar de estar no mapa cultural há décadas, Hugh Hefner foi um dos maiores pioneiros da revolução sexual, e a história vai honrá-lo de acordo. O rotular como um sexista antediluviano seria errado, porque ele estava à frente da redefinição de masculinidade no período após a Segunda Guerra Mundial. Revistas masculinas eram sobre caçar, pescar ou sobre guerra — tradicionais buscas masculinas. Hefner, um descendente de puritanos da Nova Inglaterra, projetou um modelo novo e sofisticado de masculinidade, um estilo europeu mais urbano. Ele mostrou que homens de verdade podiam apreciar roupas bem cortadas e aparelhos de som sofisticados, além de vinho, cozinha e sexo. Os EUA sempre foi um país prático, onde trabalho era uma religião. Hefner elevou o princípio do prazer — a Playboy não era apenas sobre sexo! Quanto a Larry Flint, sua importância na época foi sua celebração de um populismo de classe trabalhadora, com gostos e humor rudes, crus e quebrando tabus. Mas Flynt é apenas uma nota de rodapé da saga épica de Hefner. 
Ao longo de sua carreira, você deu opiniões controversas sobre vários temas. Muitas pessoas não ousariam compartilhar opiniões assim por medo. O que assusta Camille Paglia?
Liberdade é meu valor principal. Por isso não aguento me sentir confinada ou presa — como em longas e demoradas filas de aeroporto. Tenho medo de ficar horas presa na pista, enquanto uma fila de 30 aviões atrasados pelo tempo espera para decolar. Sou uma motorista — amo meu carro, onde posso ser livre como vento! Viagens aéreas hoje são como ser pega num voo em massa para refugiados esfarrapados e de olhar vazio da Berlim destruída pela guerra.