sexta-feira, 25 de julho de 2014

Uma apreciação crítica a respeito dos princípios da Liberdade e da Diferença na obra “Uma Teoria da Justiça” de John Rawls

Rogério Henrique Castro Rocha1


Resumo: Neste artigo desenvolve-se uma breve análise da obra “Uma Teoria da Justiça”, mostrando alguns conceitos básicos de sua fundamentação, bem como expondo e analisando os dois princípios de justiça (liberdade e diferença), a partir da noção neocontratualista, defendida pelo autor na formulação de seu projeto ético-político para a efetivação de um modelo de sociedade bem ordenada, conforme apresentado na obra ora em comento. Esboça-se ainda uma apreciação crítica a respeito de algumas das noções centrais presentes na exposição de sua teoria da justiça.

Palavras-chave: Teoria da justiça, contrato, posição original, véu da ignorância, princípios de justiça, liberdade, igualdade, diferença.

1 INTRODUÇÃO


O filósofo político americano John Rawls é autor da obra “Uma teoria da Justiça” (A theory of justice, 1971), onde desenvolve sua teoria da justiça como equidade (justice as fairness), importante contribuição ao debate contemporâneo acerca do tema, comum tanto ao Direito quanto à jusfilosofia. Nessa obra, tomando para si a tarefa de elevar a um grau superior o contratualismo presente no pensamento kantiano e nos clássicos liberais, o pensador insculpe uma série de princípios e garantias a serem implantados num modelo de sociedade bem ordenada, com fundamento na prevalência do justo sobre o bem.

O esforço intelectual de Rawls na construção de seu modelo teórico é notadamente reconhecido nos meios acadêmicos, tendo a sua TJ (teoria da justiça) passado a servir de referência quando da análise da conformação ético-política contemporânea – em que pesem as severas críticas que recaem sobre o referido modelo teórico, sobretudo quanto a alguns de seus aspectos conceituais.
 
Outrossim, sua obra foi também responsável pela deflagração de acirrado debate acadêmico entre liberais e comunitaristas, sobretudo nos Estados Unidos e Europa, dando lugar ao surgimento de seguidas reformulações tanto no pensamento do próprio autor quanto nas bases argumentativas que fundamentam as teorias que lhe são opositoras.

Antes de se ingressar diretamente na apreciação proposta acerca dos dois princípios fundamentais da doutrina rawlsiana, é necessário tecer certas considerações de caráter preliminar, para melhor compreensão da natureza de sua obra.

2 A TEORIA DA JUSTIÇA


          Na obra “Uma teoria da Justiça”, Rawls propõe a formulação de um modelo de sociedade democrática de base constitucional, fundada sobre a idéia de um novo contrato social. Sua concepção desse sistema recebe influência direta das idéias do liberalismo político, bem como da filosofia moral kantiana, além de colocar-se na posição do que denominou tratar-se de uma “análise sistemática alternativa da justiça” (RAWLS, 1993, p. 14). Também se explicita nessa obra a intenção do autor em fornecer uma teoria, ao mesmo tempo, crítica e opositora à concepção do utilitarismo tradicional.

A idéia de justiça como equidade, desenvolvida por Rawls, encontra-se alinhada a uma concepção política de justiça, tendo por fim a estruturação de uma sociedade bem ordenada e, por conseqüência, justa para com seus cidadãos, garantindo-lhes uma gama considerável de direitos e liberdades fundamentais.

A sociedade descrita em sua teoria baseia-se num sistema equitativo de cooperação, tendo por pressuposto inicial que os indivíduos que a compõem, por condição natural, são livres e iguais, capazes de perseguir as suas aspirações e projetos pessoais, detendo a condição de sujeitos razoáveis e portadores de racionalidade, sendo aptos, portanto, a elaborar concepções próprias de bem e justiça.

Mas para que haja de fato uma sociedade bem ordenada, é preciso escolher e estabelecer princípios norteadores, que servirão de critério para a efetivação da ideia de justiça em cada caso. Daí a necessidade de se proceder, conforme ressalta o autor, na busca de um acordo, racional e imparcialmente produzido. Desse acordo é que sairão os princípios de justiça que deverão reger dada sociedade.

Nesse ponto Rawls cria o artifício de imaginar que tal acordo, ou seja, as bases de um novo contrato social, fundador de uma sociedade que se espera bem ordenada, corresponderia a uma situação hipotética, na qual certos representantes do corpo social, postos em condição de igualdade mútua, escolheriam tais princípios. A essa condição igualitária entre os parceiros, que decidirão sobre os princípios regentes da sociedade, Rawls denomina de “posição original”. Nas palavras do próprio pensador, temos a seguinte explicação:

Na teoria da justiça como equidade, a posição de igualdade original corresponde ao estado natural na teoria tradicional do contrato social. (...) Deve ser vista como uma posição puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma outra concepção de justiça. (Idem, p.33)

Ainda acerca da compreensão do pressuposto teórico da posição original (ou posição originária), assevera ainda Rawls que a introdução de tal ideia deu-se

...porque não há melhor maneira de elaborar uma concepção política da justiça para a estrutura básica a partir da idéia intuitiva fundamental da sociedade como um sistema equitativo de cooperação entre cidadãos como pessoas livres e iguais. (1992, p. 43)

Para assegurar-se da efetiva imparcialidade nas escolhas dos participantes da posição original, Rawls os coloca como que encobertos por aquilo que chamou de “véu da ignorância” (veil of ignorance), que é outro artifício que utiliza para dar sustentação a sua teoria. Sob a condição do véu da ignorância, os parceiros do pacto social desconheceriam suas situações sociais particulares, seus talentos, suas inclinações políticas, bem como seus julgamentos morais, tendências religiosas, etc. Dessa forma, imaginava poder dotá-los de imparcialidade no ato de deliberação e na escolha dos princípios, tornando-os, portanto, os mais acertados, visto tratar-se, a partir do critério observado, de um processo não impregnado por interesses que favorecessem as condições particulares dos participantes da posição original.

Assume grande destaque no âmbito dessa teoria, sobretudo no que concerne à formação do contrato social, a questão do consenso, que deve prevalecer entre os parceiros quando da deliberação dos princípios básicos que servirão de esteio à sociedade e suas instituições. Nessa condição, os participantes do acordo decidem, enquanto entidades morais e sem ter conhecimento algum dos seus objetivos particulares, princípios de justiça aos quais terão de conformar suas concepções sobre o seu próprio bem (Cf. RAWLS, 1993, p.46).

3 OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA



A partir da definição da importância da escolha dos princípios e de sua finalidade, segue-se que os mesmos deveriam, a posteriori, ser alçados à instância constitucional, funcionando ainda como parâmetro para o sistema de cooperação social que se formaria dentro da sociedade, visando o bem dos seus participantes. Assim sendo, afirma Rawls:

Uma vez adotada uma concepção da justiça, podemos supor que serão escolhidas uma constituição, um sistema de produção de leis e assim por diante, escolhas essas a efectuar de acordo com os princípios da justiça inicialmente adoptados. (Idem, p.34)

Logo, pode-se observar com clareza que uma das grandes preocupações do filósofo americano seria a de apontar os caminhos para que se viabilizasse, na implantação concreta de seus princípios de justiça, a existência de uma sociedade estável, pluralista e democrática, regida pela força da lei positiva, inscrita em uma constituição. Para tanto, seria necessário que os cidadãos livres e iguais desta sociedade chegassem a um entendimento compartilhado sobre uma noção fundamental de justiça pública, aplicável à estrutura básica social. Finalmente, respaldada na escolha consensual de uma concepção de justiça, tal modelo poderia então levar a termo um amplo processo de cooperação social, gerador de vantagens mútuas e benefícios eqüitativos entre seus membros.

Num artigo do ano de 1975, intitulado “Uma concepção kantiana de igualdade” (A kantian conception of equality), onde, de forma breve, aprofunda a análise da visão exposta na TJ sobre a sua concepção de igualdade e demais princípios, Rawls assim se posiciona:

Um conjunto de princípios é requerido para arbitrar entre arranjos sociais que dêem forma a essa divisão de vantagens. Assim, o papel dos princípios de justiça é atribuir direitos e deveres na estrutura básica da sociedade e especificar a maneira pela qual as instituições devem influenciar a distribuição geral dos retornos da cooperação social. (2007, p.110)


Na teoria rawlsiana, partindo-se da centralidade e da profunda atenção que é dada à escolha e efetiva implantação dos seus princípios de justiça, é visível a preocupação em que sejam estabelecidas condições mínimas, formais e materiais, para a possibilidade da construção de uma sociedade humana viável. Razão pela qual estão presentes nessa teoria não só uma noção de pessoa, de bem e de justiça, mas também a de direitos e deveres fundamentais dos indivíduos.

Em torno da noção de justiça, o pensador americano elabora seu discurso ético-político. Tal noção acaba por assumir enorme relevância face à organização do modelo societário proposto na obra, constituindo-se em verdadeiro princípio ordenador. Bem assim, sua teoria responde a exigências típicas de nossa época, demonstrando concordância com princípios democráticos e jurídicos universalmente consagrados, tais como o da dignidade da pessoa humana, o respeito às diferenças e à liberdade, reabilitando e trazendo ao debate contemporâneo a questão do direito natural.

Conforme nos lembra PEGORARO (2002, p. 15), analisando o tema: “Os cidadãos que subjetivamente cultivam o senso de justiça procuram transpô-lo numa ordem jurídica equitativa para todos”. No fundo, é o que os indivíduos racionais, razoáveis, livres e iguais, responsáveis pela escolha autônoma de suas próprias regras básicas (na posição original), sejam capazes de reproduzir tais normas, tornando-as como que máximas a reger suas condutas no plano coletivo e, de igual modo, na estrutura de suas instituições públicas.

Feitas tais considerações, passemos a analisar mais pontualmente os dois princípios de justiça eleitos na posição original, tecendo alguns comentários sobre os mesmos.

3.1 O princípio da liberdade

Ao contrário do que possam imaginar os críticos da teoria rawlsiana, os dois princípios de justiça aplicáveis às instituições não surgem gratuitamente, ou seja, não aparecem do nada. Ambos se originam de um conceito ordinário de justiça; algo como uma espécie de senso comum presente nas pessoas, nos grupos e na própria sociedade. Surge, portanto, de um senso da justiça contido na experiência histórica dos indivíduos em qualquer tempo.

O princípio da liberdade, bem como o segundo princípio, recebe na TJ duas redações. Uma de caráter provisório, encontrada no parágrafo terceiro (RAWLS, 1993, p.35). Outra, já definitiva, encontra-se no parágrafo 46, a qual passamos a reproduzir integralmente, como segue: “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema de liberdades para todos.” (Idem, p.239)

Da exposição acima, pode-se retirar algumas posições determinantes da teoria.

Pelo teor do enunciado, deste que é o primeiro princípio de justiça da sociedade bem ordenada, vemos que os representantes na posição original primariam por garantir, em primeiro plano, um máximo possível de liberdades básicas aos indivíduos. A cada pessoa, dever-se-ia garantir um “direito igual” de usufruir do “mais amplo sistema total de liberdades básicas”.

Percebe-se na formulação desse princípio que a questão da liberdade nas modernas democracias constitucionais ocupa lugar de destaque. É quase impossível falar-se em Estado democrático de direito, em instituições justas, em realização dos fins a que se propõem os variados modelos sociais, sem se falar em liberdade.

Requisito essencial para a efetivação do caráter autônomo dos indivíduos que participam da sociedade bem ordenada, com seus projetos de vida e aspirações particulares, a liberdade é, acima de tudo, um direito. Um direito natural, conforme amplamente consagrado nas lições da boa doutrina jurídica e filosófica. Trata-se, portanto, de caractere inerente à condição humana, dada sua capacidade racional. Sobretudo da intuição de que existem princípios de direito válidos em qualquer tempo, independentemente até mesmo do padrão cultural dos seres humanos.

A escolha do princípio da liberdade tem estreita relação com os preceitos filosóficos da doutrina do liberalismo político (defendida por Rawls na concepção de sua TJ), com o jusnaturalismo, com o legado do pensamento iluminista e com as principais declarações de direitos. É a liberdade um direito fundamental do homem. Portanto, garanti-la enquanto princípio ordenador de uma sociedade é assegurar que as suas instituições permitam uma convivência digna e igual entre as pessoas. Por isso mesmo, possui como característica básica o fato de ser um direito irrenunciável – e ainda, segundo Rawls, inegociável.

Como bem salientou o mestre José Afonso da Silva (1995, p.227):

O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. (...) Vamos um pouco além, e propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal.

O princípio da liberdade aqui enunciado refere-se, desse modo, à liberdade de agir, ou seja, à liberdade tratada, sobretudo, em seu aspecto político, e não à mera liberdade metafísica. Prioridade máxima (quer na esfera pública, quer na vida privada), a liberdade deve ser garantida a todas as pessoas, num rol o mais extensivo possível. E mais ainda, tal garantia deve tornar-se possível em condições iguais para todos. O que implica em se falar aqui em liberdade igualitária, deduzindo-se, da exposição acima citada, uma espécie de sub-princípio ou princípio complementar ao de liberdade, estando a ele diretamente vinculado.

É oportuno citar RADBRUCH (2004, p. 190), quando o mesmo nos lembra que:

O conceito de pessoa permanece um conceito de igualdade na medida em que se equiparam o poderoso e o impotente, o proprietário e o desprovido de bens, a frágil pessoa individual e a poderosíssima pessoa coletiva.

E com a mesma propriedade, conclui:

A concepção social não dissolve, de modo algum, esse conceito de igualdade nos vários tipos do patrão, do empregado, do operário, do funcionário. Patrão, empregado, operário, funcionário são para ela apenas situações distintas em que se encontram as mesmas pessoas, supostas como iguais. Se, no fundo de cada um desses tipos sociais não estivesse o conceito igualitário de pessoa, faltaria o denominador comum, sem o qual seria impensável qualquer comparação e igualação, qualquer consideração de justiça, qualquer direito privado, e talvez até mesmo qualquer direito. (Idem, p. 190-191)

Em suma, o princípio de liberdade em Rawls correlaciona-se a um princípio de igualdade, reafirmando o direito legal às liberdades fundamentais e aos direitos invioláveis da pessoa humana, seja em sua estrita individualidade, seja no convívio social. Sendo assim, no corpo desta importante contribuição à filosofia do nosso tempo, o autor unifica num só sistema, pensamento político e ética, resgatando assim a esperança de que estas duas práticas, outrora intrínsecas, possam, enfim, reatar seus laços originários, há muito rompidos.


3.2 O princípio da diferença

Dando continuidade a análise, passa-se agora a expor a formulação definitiva do princípio da diferença, situado no parágrafo 46 da TJ, que trás a seguinte assertiva:

As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente: a) redundem nos maiores benefícios possíveis para os menos beneficiados, de uma forma que seja compatível com o princípio da poupança justa, e b) sejam a conseqüência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade eqüitativa de oportunidades. (RAWLS, 2003, p.239)

Na interpretação do segundo princípio, depreende-se que, segundo Rawls, devemos aceitar as desigualdades sociais e econômicas, bem como as diferenças mesmas entre os indivíduos, enquanto membros da sociedade. Ressalta, entretanto, que tais diferenças só devam existir na medida em que aos menos favorecidos seja garantida uma posição mais satisfatória quanto a distribuição de benefícios e renda, em igualdade de condições para com os demais membros mais abastados da coletividade. (RUSS, 2006, p. 50)

Enquanto o primeiro princípio assegura um amplo rol das liberdades básicas e explicita a prioridade conferida à liberdade, apenas excepcionalmente podendo vir a sofrer alguma restrição (desde que a serviço da própria liberdade), o segundo princípio é consagrado à distribuição de renda e riqueza ou oportunidades, conferindo-se, quanto ao mesmo, a prioridade da justiça frente à eficiência do bem-estar.

O autor defende em sua teoria uma igualdade de natureza democrática. Tal igualdade deverá ser fundada com base numa eqüitativa igualdade de oportunidades e na existência de desigualdades (segundo ele, aceitáveis).

Seu conceito de justiça como eqüidade implica, conforme se pode observar, no estabelecimento da igualdade de condições no acesso às oportunidades, que deverá ser estendida a todos os indivíduos, sabendo-se, todavia, que seu resultado será sempre desigual. Ou seja, deve-se esperar que (mesmo numa sociedade bem ordenada) nem todas as pessoas contempladas com as iguais condições de acesso às oportunidades necessariamente tenham êxito em desenvolver de modo integral as suas capacidades. Isto ocorre em função de uma série de circunstâncias impeditivas (falta de certas habilidades, ausência de talento, classe social a que pertençam, limitações físicas, intelectuais, orgânicas, etc.), o que termina justificando a própria noção de desigualdade. Nesse sentido, em Rawls a desigualdade é não só esperada, como também admissível.

Ainda na visão de RUSS (Idem, p.51), Rawls opera sua teoria fazendo um verdadeiro balanceamento de filosofias políticas antitéticas, quando destaca tanto o empreendedorismo e a livre iniciativa econômica dos agentes sociais das classes favorecidas (visão liberal), quanto a necessária distribuição de renda, proventos, bens, oportunidades e benefícios aos desfavorecidos (visão socialista). Verdadeira síntese entre duas tradições que a história mostrou antagônicas.

Ao cominar igualdade e diferença, “pode-se dizer que há, aí, uma preocupação com a eqüidade, um levar em conta as desigualdades, um exame flexível e humano do espetáculo das injustiças da vida.” (Idem, Ibidem)

Por isso, temos, na opinião de ALMEIDA (2006, p.09):

Uma vez garantidas as liberdades individuais e, portanto, toleradas as diferentes concepções de vida, deve-se buscar o máximo de igualdade possível, por meio de arranjos institucionais. (...) Através desse princípio de diferença permitem-se desigualdades ainda remanescentes, desde que beneficiem os mesmos privilegiados.

É nítida em Rawls a preocupação em se conciliar a desigualdade com a liberdade, propondo uma forma de mitigação das diferenças, mediante a garantia do direito à igualdade eqüitativa de oportunidades, reforçando ainda mais o caráter igualitarista de sua teoria. Ainda assim, consideramos problemática tal posição, visto que se configura extremamente difícil equalizar desigualdades sociais e econômicas, motivações diversas, conflitos de interesse e descontentamentos com a satisfação de desejos dos numerosos grupos de indivíduos dentro de uma sociedade complexa e pluralista.

Em virtude disso, passamos a entender melhor a razão das constantes e inúmeras críticas ao trabalho de Rawls. Sobretudo em relação ao seu princípio da diferença, quase sempre objetado, dada sua difícil sustentação. Muitas são as indagações que podemos lançar, em função do segundo princípio. Afinal, que pessoas e/ou grupos seriam chamados de ‘menos favorecidos’? A partir de que critérios defini-los, dentro de uma realidade social complexa e multifacetada? Como se falar em justiça e eqüidade, com a manutenção das desigualdades sócio-econômicas? Como esperar que sujeitos por natureza egoístas escolham princípios que privilegiem os desfavorecidos?

Apesar de serem os parceiros na posição original levados a considerar o bem dos outros pelo viés de seu próprio desconhecimento de informações a respeito de si mesmo e da posição dos demais implicados, ainda assim, terão por base seus interesses particulares, ou seja, interesses egoísticos. Embora resultado do consenso e de um ato racional e ponderado dos parceiros, a escolha dos princípios de justiça rawlsianos põe sob suspeita suas reais motivações.

Conclusão

Buscou-se aqui apresentar, de forma sintética e breve, a formulação dos princípios de justiça que se inscrevem na obra “Uma teoria da justiça” e que dão fundamento à efetivação de um sistema político-jurídico numa sociedade bem ordenada, de caráter constitucional e democrático, que Rawls denomina também de democracia de proprietários. Tentou-se também, por meio desse artigo, melhor divisar a concepção subjacente à escolha dos princípios de liberdade e diferença, com a prioridade do primeiro sobre o segundo. Viu-se também o quão presente na teoria rawlsiana o sentimento de necessidade da partilha eqüitativa dos bens na estrutura básica da sociedade, a fim de favorecer os menos assistidos.
Inspirado na noção kantiana de igualdade e autonomia dos indivíduos livres e iguais perante a condição de escolha de um ideal de justiça aplicável às instituições, bem assim no imperativo categórico (na obra representado pelo dever de seguir livre e racionalmente os princípios eleitos), John Rawls nos propõe a elaboração de um novo contrato social, responsável pela instauração de uma nova ordem, que origina-se de um procedimento de negociação que visa o consenso e a estabilidade.

Trata-se de uma teoria polêmica, acusada pelos críticos de possuir certo déficit de fundamentação e de ser portadora de algumas lacunas importantes. Entretanto, e na mesma proporção de seus problemas, converteu-se, sem sombra de dúvidas, em obra referencial, que contribui decisivamente com o debate das práticas políticas e jurídicas das grandes sociedades contemporâneas, conciliando, em seu esforço de elaboração, ética e política, direito e filosofia, tornando-se paradigma inquestionável a toda e qualquer proposta futura de reconstrução ou superação do modelo de sociedade nela descrito.

REFERÊNCIAS


ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Os princípios de justiça de John Rawls: o que nos faria segui-los? In: Cadernos de ética e filosofia política. nº 8, jan., 2006, p. 07-18.

PEGORARO, Olinto A. Ética e justiça. 7.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Tradução de Marlene Holzhausen. São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Coleção justiça e direito)

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. de Carlos Pinto Correia. Lisboa: Editorial Presença, 1993.

____________. Uma concepção kantiana de igualdade. In: Veritas. V. 52, nº1, Porto Alegre, mar., 2007, p. 108-119.

____________. Justiça como eqüidade: uma concepção política, não metafísica. Lua Nova [online]. 1992, n.25, pp. 25-59. ISSN 0102-6445.

RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2006.

SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. revista. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.

1 Graduado em Filosofia pela UFMA, Pós-graduado em Filosofia (Paradigmas da pesquisa em ética) pelo IESMA, Bacharel em Direito pela UFMA, Pós-graduado em Direito Constitucional pela rede LFG/UNIDERP – Universidade Anhanguera.

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