Rogério
Henrique Castro Rocha1
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Resumo:
Neste artigo desenvolve-se uma breve análise da obra “Uma Teoria
da Justiça”, mostrando alguns conceitos básicos de sua
fundamentação, bem como expondo e analisando os dois princípios de
justiça (liberdade e diferença), a partir da noção
neocontratualista, defendida pelo autor na formulação de seu
projeto ético-político para a efetivação de um modelo de
sociedade bem ordenada, conforme apresentado na obra ora em comento.
Esboça-se ainda uma apreciação crítica a respeito de algumas das
noções centrais presentes na exposição de sua teoria da justiça.
Palavras-chave:
Teoria da justiça, contrato, posição original, véu da ignorância,
princípios de justiça, liberdade, igualdade, diferença.
1
INTRODUÇÃO
O filósofo político
americano John Rawls é autor da obra “Uma teoria da Justiça”
(A
theory of justice,
1971),
onde desenvolve sua teoria da justiça
como equidade
(justice
as fairness),
importante contribuição ao debate contemporâneo acerca do tema,
comum tanto ao Direito quanto à jusfilosofia. Nessa obra, tomando
para si a tarefa de elevar a um grau superior o contratualismo
presente no pensamento kantiano e nos clássicos liberais, o pensador
insculpe uma série de princípios e garantias a serem implantados
num modelo de sociedade
bem ordenada,
com fundamento na prevalência do justo sobre o bem.
O esforço intelectual
de Rawls na construção de seu modelo teórico é notadamente
reconhecido nos meios acadêmicos, tendo a sua TJ
(teoria da justiça) passado a servir de referência quando da
análise da conformação ético-política contemporânea – em que
pesem as severas críticas que recaem sobre o referido modelo
teórico, sobretudo quanto a alguns de seus aspectos conceituais.
Outrossim, sua obra
foi também responsável pela deflagração de acirrado debate
acadêmico entre liberais e comunitaristas, sobretudo nos Estados
Unidos e Europa, dando lugar ao surgimento de seguidas reformulações
tanto no pensamento do próprio autor quanto nas bases argumentativas
que fundamentam as teorias que lhe são opositoras.
Antes de se ingressar
diretamente na apreciação proposta acerca dos dois princípios
fundamentais da doutrina rawlsiana, é necessário tecer certas
considerações de caráter preliminar,
para melhor
compreensão da natureza de sua obra.
2 A TEORIA DA JUSTIÇA
Na obra “Uma teoria da Justiça”, Rawls propõe a
formulação de um modelo de sociedade democrática de base
constitucional, fundada sobre a idéia de um novo contrato social.
Sua concepção desse sistema recebe influência direta das idéias
do liberalismo político, bem como da filosofia moral kantiana, além
de colocar-se na posição do que denominou tratar-se de uma “análise
sistemática alternativa da justiça” (RAWLS, 1993, p. 14). Também
se explicita nessa obra a intenção do autor em fornecer uma teoria,
ao mesmo tempo, crítica e opositora à concepção do utilitarismo
tradicional.
A idéia de justiça como equidade,
desenvolvida por Rawls, encontra-se alinhada a uma concepção
política de justiça, tendo por fim a estruturação de uma
sociedade bem ordenada
e, por conseqüência, justa para com seus cidadãos, garantindo-lhes
uma gama considerável de direitos e liberdades fundamentais.
A sociedade descrita em sua teoria
baseia-se num sistema equitativo de
cooperação, tendo por pressuposto inicial
que os indivíduos que a compõem, por condição natural, são
livres e iguais, capazes de perseguir as suas aspirações e projetos
pessoais, detendo a condição de sujeitos razoáveis
e portadores de racionalidade, sendo aptos, portanto, a elaborar
concepções próprias de bem
e justiça.
Mas para que haja de fato uma sociedade bem
ordenada, é preciso escolher e estabelecer
princípios norteadores, que servirão de critério para a efetivação
da ideia de justiça em cada caso. Daí a necessidade de se proceder,
conforme ressalta o autor, na busca de um acordo, racional
e imparcialmente
produzido. Desse
acordo é que sairão os princípios de
justiça que deverão reger dada sociedade.
Nesse ponto Rawls cria o artifício de
imaginar que tal acordo, ou seja, as bases de um novo contrato
social, fundador de uma sociedade que se espera bem ordenada,
corresponderia a uma situação hipotética,
na qual certos representantes do corpo social, postos em condição
de igualdade mútua, escolheriam tais princípios. A essa condição
igualitária entre os parceiros,
que decidirão sobre os princípios regentes da sociedade, Rawls
denomina de “posição original”. Nas palavras do próprio
pensador, temos a seguinte explicação:
Na teoria da justiça como equidade, a posição de
igualdade original corresponde ao estado natural na teoria
tradicional do contrato social. (...) Deve ser vista como uma posição
puramente hipotética, caracterizada de forma a conduzir a uma outra
concepção de justiça. (Idem, p.33)
Ainda acerca da compreensão do pressuposto
teórico da posição original (ou posição originária), assevera
ainda Rawls que a introdução de tal ideia deu-se
...porque não há melhor maneira de elaborar uma
concepção política da justiça para a estrutura básica a partir
da idéia intuitiva fundamental da sociedade como um sistema
equitativo de cooperação entre cidadãos como pessoas livres e
iguais. (1992, p. 43)
Para assegurar-se da efetiva imparcialidade
nas escolhas dos participantes da posição original, Rawls os coloca
como que encobertos por aquilo que chamou de “véu da ignorância”
(veil of ignorance),
que é outro artifício que utiliza para dar sustentação a sua
teoria. Sob a condição do véu da
ignorância, os parceiros do pacto social
desconheceriam suas situações sociais particulares, seus talentos,
suas inclinações políticas, bem como seus julgamentos morais,
tendências religiosas, etc. Dessa forma, imaginava poder dotá-los
de imparcialidade no ato de deliberação e na escolha dos
princípios, tornando-os, portanto, os mais acertados, visto
tratar-se, a partir do critério observado, de um processo não
impregnado por interesses que favorecessem as condições
particulares dos participantes da posição original.
Assume grande destaque no âmbito dessa
teoria, sobretudo no que concerne à formação do contrato social, a
questão do consenso,
que deve prevalecer entre os parceiros quando da deliberação dos
princípios básicos
que servirão de esteio à sociedade e suas instituições. Nessa
condição, os participantes do acordo decidem, enquanto entidades
morais e sem ter conhecimento algum dos seus
objetivos particulares, princípios de justiça aos quais terão de
conformar suas concepções sobre o seu próprio bem (Cf. RAWLS,
1993, p.46).
3 OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA
A partir da definição da importância da
escolha dos princípios e de sua finalidade, segue-se que os mesmos
deveriam, a posteriori,
ser alçados à instância constitucional, funcionando ainda como
parâmetro para o sistema de cooperação social que se formaria
dentro da sociedade, visando o bem dos seus participantes. Assim
sendo, afirma Rawls:
Uma vez adotada uma concepção da justiça, podemos
supor que serão escolhidas uma constituição, um sistema de
produção de leis e assim por diante, escolhas essas a efectuar de
acordo com os princípios da justiça inicialmente adoptados. (Idem,
p.34)
Logo, pode-se observar com clareza que uma
das grandes preocupações do filósofo americano seria a de apontar
os caminhos para que se viabilizasse, na implantação concreta de
seus princípios de justiça, a existência de uma sociedade estável,
pluralista e democrática, regida pela força da lei positiva,
inscrita em uma constituição. Para tanto, seria necessário que os
cidadãos livres e iguais desta sociedade chegassem a um entendimento
compartilhado sobre uma noção fundamental
de justiça pública, aplicável à estrutura básica social.
Finalmente, respaldada na escolha consensual de uma concepção de
justiça, tal modelo poderia então levar a termo um amplo processo
de cooperação social, gerador de vantagens mútuas e benefícios
eqüitativos entre seus membros.
Num artigo do ano de 1975, intitulado “Uma
concepção kantiana de igualdade” (A
kantian conception of equality), onde, de
forma breve, aprofunda a análise da visão exposta na TJ sobre a sua
concepção de igualdade e demais princípios, Rawls assim se
posiciona:
Um conjunto de princípios é requerido para arbitrar
entre arranjos sociais que dêem forma a essa divisão de vantagens.
Assim, o papel dos princípios de justiça é atribuir direitos e
deveres na estrutura básica da sociedade e especificar a maneira
pela qual as instituições devem influenciar a distribuição geral
dos retornos da cooperação social. (2007, p.110)
Na teoria rawlsiana, partindo-se da centralidade e da
profunda atenção que é dada à escolha e efetiva implantação dos
seus princípios de justiça, é visível a preocupação em que
sejam estabelecidas condições mínimas, formais e materiais, para a
possibilidade da construção de uma sociedade humana viável. Razão
pela qual estão presentes nessa teoria não só uma noção de
pessoa, de bem e de justiça, mas também a de
direitos e deveres fundamentais dos indivíduos.
Em torno da noção de justiça, o pensador
americano elabora seu discurso ético-político. Tal noção acaba
por assumir enorme relevância face à organização do modelo
societário proposto na obra, constituindo-se em verdadeiro princípio
ordenador. Bem assim, sua teoria responde a exigências típicas
de nossa época, demonstrando concordância com princípios
democráticos e jurídicos universalmente consagrados, tais como o da
dignidade da pessoa humana, o respeito às diferenças e à
liberdade, reabilitando e trazendo ao debate contemporâneo a questão
do direito natural.
Conforme nos lembra PEGORARO (2002, p. 15), analisando o
tema: “Os cidadãos que subjetivamente cultivam o senso de justiça
procuram transpô-lo numa ordem jurídica equitativa para todos”.
No fundo, é o que os indivíduos racionais, razoáveis, livres e
iguais, responsáveis pela escolha autônoma de suas próprias regras
básicas (na posição original), sejam capazes de reproduzir tais
normas, tornando-as como que máximas a reger suas condutas no plano
coletivo e, de igual modo, na estrutura de suas instituições
públicas.
Feitas tais considerações, passemos a analisar mais
pontualmente os dois princípios de justiça eleitos na posição
original, tecendo alguns comentários sobre os mesmos.
3.1 O
princípio da liberdade
Ao contrário do que possam imaginar os críticos da
teoria rawlsiana, os dois princípios de justiça aplicáveis às
instituições não surgem gratuitamente, ou seja, não aparecem do
nada. Ambos se originam de um conceito ordinário de justiça; algo
como uma espécie de senso comum presente nas pessoas, nos grupos e
na própria sociedade. Surge, portanto, de um senso da justiça
contido na experiência histórica dos indivíduos em qualquer tempo.
O princípio da liberdade, bem como o segundo princípio,
recebe na TJ duas redações. Uma de caráter provisório, encontrada
no parágrafo terceiro (RAWLS, 1993, p.35). Outra, já definitiva,
encontra-se no parágrafo 46, a qual passamos a reproduzir
integralmente, como segue: “Cada pessoa deve ter um direito igual
ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais que seja
compatível com um sistema de liberdades para todos.” (Idem, p.239)
Da exposição acima, pode-se retirar algumas posições
determinantes da teoria.
Pelo teor do enunciado, deste que é o primeiro
princípio de justiça da sociedade bem ordenada, vemos que os
representantes na posição original primariam por garantir, em
primeiro plano, um máximo possível de liberdades básicas aos
indivíduos. A cada pessoa, dever-se-ia garantir um “direito igual”
de usufruir do “mais amplo sistema total de liberdades básicas”.
Percebe-se na formulação desse princípio que a
questão da liberdade nas modernas democracias constitucionais ocupa
lugar de destaque. É quase impossível falar-se em Estado
democrático de direito, em instituições justas, em realização
dos fins a que se propõem os variados modelos sociais, sem se falar
em liberdade.
Requisito essencial para a efetivação do caráter
autônomo dos indivíduos que participam da sociedade bem ordenada,
com seus projetos de vida e aspirações particulares, a liberdade é,
acima de tudo, um direito. Um direito natural, conforme amplamente
consagrado nas lições da boa doutrina jurídica e filosófica.
Trata-se, portanto, de caractere inerente à condição humana, dada
sua capacidade racional. Sobretudo da intuição de que existem
princípios de direito válidos em qualquer tempo, independentemente
até mesmo do padrão cultural dos seres humanos.
A escolha do princípio da liberdade tem estreita
relação com os preceitos filosóficos da doutrina do liberalismo
político (defendida por Rawls na concepção de sua TJ), com o
jusnaturalismo, com o legado do pensamento iluminista e com as
principais declarações de direitos. É a liberdade um direito
fundamental do homem. Portanto, garanti-la enquanto princípio
ordenador de uma sociedade é assegurar que as suas instituições
permitam uma convivência digna e igual entre as pessoas. Por isso
mesmo, possui como característica básica o fato de ser um direito
irrenunciável – e ainda, segundo Rawls, inegociável.
Como bem salientou o mestre José Afonso da Silva (1995,
p.227):
O conceito de liberdade humana deve ser
expresso no sentido de um poder de atuação
do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade.
(...) Vamos um pouco além, e propomos o conceito seguinte: liberdade
consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios
necessários à realização da felicidade pessoal.
O princípio da liberdade aqui enunciado refere-se,
desse modo, à liberdade de agir, ou seja, à liberdade tratada,
sobretudo, em seu aspecto político, e não à mera liberdade
metafísica. Prioridade máxima (quer na esfera pública, quer na
vida privada), a liberdade deve ser garantida a todas as pessoas, num
rol o mais extensivo possível. E mais ainda, tal garantia deve
tornar-se possível em condições iguais para todos. O que implica
em se falar aqui em liberdade igualitária, deduzindo-se, da
exposição acima citada, uma espécie de sub-princípio ou
princípio complementar ao de liberdade, estando a ele
diretamente vinculado.
É oportuno citar RADBRUCH (2004, p. 190), quando o
mesmo nos lembra que:
O conceito de pessoa permanece um conceito de igualdade
na medida em que se equiparam o poderoso e o impotente, o
proprietário e o desprovido de bens, a frágil pessoa individual e a
poderosíssima pessoa coletiva.
E com a mesma propriedade, conclui:
A concepção social não dissolve, de modo
algum, esse conceito de igualdade nos vários tipos do patrão, do
empregado, do operário, do funcionário. Patrão, empregado,
operário, funcionário são para ela apenas situações distintas em
que se encontram as mesmas pessoas, supostas como iguais. Se, no
fundo de cada um desses tipos sociais não estivesse o conceito
igualitário de pessoa, faltaria o denominador comum, sem o qual
seria impensável qualquer comparação e igualação, qualquer
consideração de justiça, qualquer direito privado, e talvez até
mesmo qualquer direito. (Idem, p. 190-191)
Em suma, o princípio de liberdade em Rawls
correlaciona-se a um princípio de igualdade, reafirmando o direito
legal às liberdades fundamentais e aos direitos invioláveis da
pessoa humana, seja em sua estrita individualidade, seja no convívio
social. Sendo assim, no corpo desta importante contribuição à
filosofia do nosso tempo, o autor unifica num só sistema, pensamento
político e ética, resgatando assim a esperança de que estas duas
práticas, outrora intrínsecas, possam, enfim, reatar seus laços
originários, há muito rompidos.
3.2 O
princípio da diferença
Dando continuidade a análise, passa-se agora a expor a
formulação definitiva do princípio da diferença, situado
no parágrafo 46 da TJ, que trás a seguinte assertiva:
As desigualdades económicas e sociais
devem ser distribuídas por forma a que, simultaneamente: a) redundem
nos maiores benefícios possíveis para os menos beneficiados, de uma
forma que seja compatível com o princípio da poupança justa, e b)
sejam a conseqüência do exercício de cargos e funções abertos a
todos em circunstâncias de igualdade eqüitativa de oportunidades.
(RAWLS, 2003, p.239)
Na interpretação do segundo princípio, depreende-se
que, segundo Rawls, devemos aceitar as desigualdades sociais e
econômicas, bem como as diferenças mesmas entre os indivíduos,
enquanto membros da sociedade. Ressalta, entretanto, que tais
diferenças só devam existir na medida em que aos menos favorecidos
seja garantida uma posição mais satisfatória quanto a distribuição
de benefícios e renda, em igualdade de condições para com os
demais membros mais abastados da coletividade. (RUSS, 2006, p. 50)
Enquanto o primeiro princípio assegura um amplo rol das
liberdades básicas e explicita a prioridade conferida à liberdade,
apenas excepcionalmente podendo vir a sofrer alguma restrição
(desde que a serviço da própria liberdade), o segundo princípio é
consagrado à distribuição de renda e riqueza ou oportunidades,
conferindo-se, quanto ao mesmo, a prioridade da justiça frente à
eficiência do bem-estar.
O autor defende em sua teoria uma igualdade de natureza
democrática. Tal igualdade deverá ser fundada com base numa
eqüitativa igualdade de oportunidades e na existência de
desigualdades (segundo ele, aceitáveis).
Seu conceito de justiça como eqüidade implica,
conforme se pode observar, no estabelecimento da igualdade de
condições no acesso às oportunidades, que deverá ser estendida a
todos os indivíduos, sabendo-se, todavia, que seu resultado será
sempre desigual. Ou seja, deve-se esperar que (mesmo numa sociedade
bem ordenada) nem todas as pessoas contempladas com as iguais
condições de acesso às oportunidades necessariamente tenham êxito
em desenvolver de modo integral as suas capacidades. Isto ocorre em
função de uma série de circunstâncias impeditivas (falta de
certas habilidades, ausência de talento, classe social a que
pertençam, limitações físicas, intelectuais, orgânicas, etc.), o
que termina justificando a própria noção de desigualdade. Nesse
sentido, em Rawls a desigualdade é não só esperada, como também
admissível.
Ainda na visão de RUSS (Idem, p.51), Rawls opera sua
teoria fazendo um verdadeiro balanceamento de filosofias políticas
antitéticas, quando destaca tanto o empreendedorismo e a livre
iniciativa econômica dos agentes sociais das classes favorecidas
(visão liberal), quanto a necessária distribuição de renda,
proventos, bens, oportunidades e benefícios aos desfavorecidos
(visão socialista). Verdadeira síntese entre duas tradições que a
história mostrou antagônicas.
Ao cominar igualdade e diferença, “pode-se dizer que
há, aí, uma preocupação com a eqüidade, um levar em conta as
desigualdades, um exame flexível e humano do espetáculo das
injustiças da vida.” (Idem, Ibidem)
Por isso, temos, na opinião de ALMEIDA (2006, p.09):
Uma vez garantidas as liberdades individuais e,
portanto, toleradas as diferentes concepções de vida, deve-se
buscar o máximo de igualdade possível, por meio de arranjos
institucionais. (...) Através desse princípio de diferença
permitem-se desigualdades ainda remanescentes, desde que beneficiem
os mesmos privilegiados.
É nítida em Rawls a preocupação em se conciliar a
desigualdade com a liberdade, propondo uma forma de mitigação das
diferenças, mediante a garantia do direito à igualdade
eqüitativa de oportunidades, reforçando ainda mais o caráter
igualitarista de sua teoria. Ainda assim, consideramos problemática
tal posição, visto que se configura extremamente difícil equalizar
desigualdades sociais e econômicas, motivações diversas, conflitos
de interesse e descontentamentos com a satisfação de desejos dos
numerosos grupos de indivíduos dentro de uma sociedade complexa e
pluralista.
Em virtude disso, passamos a entender melhor a razão
das constantes e inúmeras críticas ao trabalho de Rawls. Sobretudo
em relação ao seu princípio da diferença, quase sempre objetado,
dada sua difícil sustentação. Muitas são as indagações que
podemos lançar, em função do segundo princípio. Afinal, que
pessoas e/ou grupos seriam chamados de ‘menos favorecidos’? A
partir de que critérios defini-los, dentro de uma realidade social
complexa e multifacetada? Como se falar em justiça e eqüidade, com
a manutenção das desigualdades sócio-econômicas? Como esperar que
sujeitos por natureza egoístas escolham princípios que privilegiem
os desfavorecidos?
Apesar de serem os parceiros na posição original
levados a considerar o bem dos outros pelo viés de seu próprio
desconhecimento de informações a respeito de si mesmo e da posição
dos demais implicados, ainda assim, terão por base seus interesses
particulares, ou seja, interesses egoísticos. Embora resultado do
consenso e de um ato racional e ponderado dos parceiros, a escolha
dos princípios de justiça rawlsianos põe sob suspeita suas reais
motivações.
Conclusão
Buscou-se aqui apresentar, de forma sintética e breve,
a formulação dos princípios de justiça que se inscrevem na obra
“Uma teoria da justiça” e que dão fundamento à efetivação de
um sistema político-jurídico numa sociedade bem ordenada,
de caráter constitucional e democrático, que Rawls denomina também
de democracia de proprietários. Tentou-se também, por meio
desse artigo, melhor divisar a concepção subjacente à escolha dos
princípios de liberdade e diferença, com a prioridade do primeiro
sobre o segundo. Viu-se também o quão presente na teoria rawlsiana
o sentimento de necessidade da partilha eqüitativa dos bens na
estrutura básica da sociedade, a fim de favorecer os menos
assistidos.
Inspirado na noção kantiana de igualdade e autonomia
dos indivíduos livres e iguais perante a condição de escolha de um
ideal de justiça aplicável às instituições, bem assim no
imperativo categórico (na obra representado pelo dever de seguir
livre e racionalmente os princípios eleitos), John Rawls nos propõe
a elaboração de um novo contrato social, responsável pela
instauração de uma nova ordem, que origina-se de um procedimento de
negociação que visa o consenso e a estabilidade.
Trata-se de uma teoria polêmica, acusada pelos críticos
de possuir certo déficit de fundamentação e de ser portadora de
algumas lacunas importantes. Entretanto, e na mesma proporção de
seus problemas, converteu-se, sem sombra de dúvidas, em obra
referencial, que contribui decisivamente com o debate das práticas
políticas e jurídicas das grandes sociedades contemporâneas,
conciliando, em seu esforço de elaboração, ética e política,
direito e filosofia, tornando-se paradigma inquestionável a toda e
qualquer proposta futura de reconstrução ou superação do modelo
de sociedade nela descrito.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA,
Gabriel Bertin de. Os princípios de justiça de John Rawls: o
que nos faria segui-los? In: Cadernos de ética e filosofia
política. nº 8, jan., 2006, p. 07-18.
PEGORARO,
Olinto A. Ética e justiça. 7.ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2002.
RADBRUCH,
Gustav. Filosofia do direito. Tradução de Marlene
Holzhausen. São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Coleção justiça e
direito)
RAWLS,
John. Uma teoria da justiça. Trad. de Carlos Pinto Correia.
Lisboa: Editorial Presença, 1993.
____________.
Uma concepção kantiana de igualdade. In: Veritas. V. 52,
nº1, Porto Alegre, mar., 2007, p. 108-119.
____________.
Justiça como eqüidade: uma concepção política, não
metafísica. Lua Nova [online]. 1992, n.25, pp. 25-59.
ISSN 0102-6445.
RUSS,
Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo:
Paulus, 2006.
SILVA,
José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo.
10. ed. revista. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.
1
Graduado em Filosofia pela UFMA, Pós-graduado em Filosofia
(Paradigmas da pesquisa em ética) pelo IESMA, Bacharel em Direito
pela UFMA, Pós-graduado em Direito Constitucional pela rede
LFG/UNIDERP – Universidade Anhanguera.
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