sábado, 7 de junho de 2014

Dissidente da modernidade: Walter Benjamin no "cruzamento" dos caminhos

O capitalismo como religião é uma compilação de ensaios e textos que revela a força e a criatividade do grande pensador alemão


Por Fabio Mascaro Querido*
Poucos autores foram objeto de uma recepção pós-morte tão vigorosa e heterogênea como Walter Benjamin (1892-1940). Subestimado em vida, tanto por sua inaptidão em lidar as coisas "práticas" quanto pelo caráter inclassificável de sua obra, o filósofo judeo-alemão tornou-se, após sua morte, uma verdadeira celebridade em certos círculos acadêmicos e intelectuais. Rejeitado pela Universidade de Frankfurt em 1925, após o rechaço de sua tese de habilitação sobre a Origem do Drama Barroco Alemão, Benjamin transformou-se - em uma daquelas paradoxais ironias da história -, em presença obrigatória no mesmo ambiente (a universidade) que lhe negara acesso.
E não por acaso, o crescimento exponencial da recepção acadêmica de sua obra, a partir da década de 1960, acompanhou-se da tendência em confiná-la em algum campo específico do conhecimento, destituindo-a, assim, do seu significado político "profundo", enraizado em suas reflexões sobre a história e a modernidade. Nesse contexto, o reconhecimento das múltiplas dimensões do pensamento complexo, paradoxal e hermético de Benjamin, destacando, ainda, a faceta política de suas reflexões, não constitui em uma tarefa das mais fáceis.

"O passado leva consigo um índice secreto pelo qual é remetido à redenção"
Walter Benjamin II, "tese sobre o conceito de história"

Daí a importância decisiva de livros como a coletânea O capitalismo como religião (Boitempo Editorial), organizada por Michael Löwy. Por meio da meticulosa escolha de ensaios pouco ou nada conhecidos do autor alemão, "verdadeiras minas de ouro", pode-se visualizar a tentativa, por parte do organizador (tal como ele mesmo indica no prefácio), de ressaltar o fio vermelho anticapitalista que percorre toda a trajetória intelectual de Benjamin, desde os seus primeiros textos no começo da década de 1910 às Teses sobre o conceito de história, redigidas meses antes de seu suicídio em 1940.
Por isso mesmo, malgrado a significativa variedade filosófica e temática, os dezessete (17) textos incluídos no livro são movidos, e é este o principal critério de seleção, por uma "crítica radical (romântico-revolucionária) da civilização capitalista industrial moderna". Para Löwy, (cuja leitura benjaminiana é explicitamente política), o "brilho" especial deste "dissidente da modernidade" que foi Benjamin encontra-se na forma como logrou articular, na crítica da civilização capitalista moderna, fontes oriundas do romantismo alemão, do messianismo judaico e, após 1924-1925, do marxismo libertário - que dá um novo rumo às suas utopias anarquistas de juventude.
Michael Löwy
Nascido em São Paulo em 1938, filho de judeus oriundos da Áustria, Michael Löwy é filósofo e sociólogo marxista, é professor e diretor de pesquisas do Centre National de la Recherché Scientifique, na França, e autor de diversos livros e ensaios sobre Karl Marx, Walter Benjamin, Rosa Luxemburgo, Lucien Goldmann, entre outros.
A "adesão" ao marxismo não significou, em Benjamin, um abandono das intuições românticas e teológicas que habitavam seu pensamento. Muito ao contrário, será a persistência desses elementos romântico-teológicos - que estimulada pela assimilação, que Benjamin, assim como vários outros jovens intelectuais judeus de sua geração, concentra sua revolta - a Carta ao pai, de Franz Kafk a, constitui talvez a melhor expressão do "conflito geracional". No caso do jovem Benjamin, esta revolta ética foi um dos grandes estímulos à sua militância, de 1912 a 1914, no Movimento da Juventude Livre Alemã, tutelada por seu amigo Gustav Wyneken.
Assim, se no curioso "Discurso sobre a religiosidade do nosso tempo" (1912), Benjamin já revelava a preocupação em torno da possibilidade de uma "nova religiosidade" - entrevista por ele nos círculos dos literatos -, no discurso (jamais proferido) "Romantismo", do ano seguinte, ele não hesita em proclamar o advento de uma "nova juventude, a juventude sóbria e romântica", distinta do "falso romantismo", uma juventude cuja meta é "a vontade romântica para a beleza, a atravessam seus escritos "como uma corrente elétrica", "alimentando algumas de suas principais iluminações profanas" (p. 17) - que dará ao seu marxismo uma qualidade única, a tal ponto que, conforme sugeriu Hannah Arendt (Walter Benjamin: 1892-1940), ele "foi provavelmente o marxista mais singular já produzido por esse movimento que, sabe Deus, teve seu quinhão completo de excentricidades."

A atenção aguçada para o "reverso", isto é, para a face destrutiva e desumana do progresso técnico, atenção tipicamente romântica, será uma das características fundamentais do "marxismo da adversidade" de Walter Benjamin.

MELANCOLIA REVOLUCIONÁRIA

Nascido em Berlim, em 1892, Benjamin viveu uma típica infância burguesa, cercado pelo ambiente dos judeus ricos assimilados, no qual a religiosidade resumia-se a uma simbologia difusa, desprovida de substância concreta. Na juventude, é contra a superficialidade da religiosidade praticada em casa, reforçada pela "autoilusão" estimulada vontade romântica para a verdade, a vontade romântica para a ação" (p. 57).
Em 1915, quando a ruptura com os movimentos de juventude estava consumada, Benjamin conhece um jovem intelectual judeu que será, por toda a sua vida, um dos seus interlocutores privilegiados: Gershom Scholem. "Vasos comunicantes", Scholem despertou em Benjamin um interesse pela dimensão subterrânea do judaísmo e pelo messianismo judeu, para além da religiosidade meramente protocolar que convivera no ambiente familiar.
São desse período, em meio a primeira grande guerra, os ensaios (reunidos em O capitalismo como religião) "Drama barroco e tragédia" e "O significado da linguagem no drama barroco e na tragédia", textos que contêm, em germe, noções fundamentais mais tarde desdobradas na tese soabre a Origem do Drama Barroco Alemão. No primeiro deles, Benjamin resgata a temática (que já havia aparecido na conferência "A vida dos estudantes", de 1914) da crítica à temporalidade "mecânica", "vazia", à qual ele opõe a temporalidade messiânica. Em sua ótica, o drama barroco - antecipando um tema central depois desenvolvido em termos marxistas em Passagens (a "história-natural", "coisificada", a "fixidez cadavérica" do mundo) -, "esgota em termos artísticos a ideia histórica da repetição" (p. 62).
O pequeno ensaio inacabado "O capitalismo como religião" (1921), escolhido como título da coletânea, constitui uma nítida amostra da capacidade de Benjamin, em um período ainda anterior à descoberta do marxismo, de mobilizar fontes teológicas na direção da crítica ao capitalismo. Inspirado no livro de Ernst Bloch, Thomas Münzer, teólogo da revolução (1921), e no pensamento do socialista libertário Gustav Landauer, o filósofo alemão denuncia o capitalismo - na contramão da tese weberiana da secularização - como um "fenômeno essencialmente religioso", que se assenta simbolicamente em um culto utilitário permanente, "sem sonho e sem piedade". Um culto (ou uma "idolatria do mercado", como diriam mais tarde os teólogos da libertação), ademais, marcado por uma "culpabilização universal", porquanto conduz a humanidade, sobretudo os mais pobres, a uma verdadeira "casa do desespero".
Foto: Commons
Gustav Landauer
Teórico anarquista alemão, Gustav Landauer (1870- 1919) trabalhou como jornalista e tradutor das obras de Shakespeare. Era um grande leitor de Tolstoi, Proudhon, Kropotkin e Bakunin.
A recusa da tese de habilitação, em 1925, sob o argumento de que os membros da banca de avaliação não haviam compreendido uma só palavra do manuscrito, foi, sem dúvida, um acontecimento decisivo na trajetória intelectual de Benjamin. O malogro relativamente precoce de toda esperança de uma carreira acadêmica "estável", ao lado de sua concomitante proletarização intelectual (sempre na dependência de trabalhos esporádicos para periódicos), estimulou-lhe alguns anos mais tarde uma reflexão em torno da responsabilidade e do papel dos intelectuais em face da crise social e econômica, reflexão que seria intensificada em seus debates com Bertolt Brecht.
Nesse contexto, a relação de Benjamin com o marxismo, a partir da segunda metade da década de 1920, graças à leitura de História e Consciência de Classe (HCC), de Georg Lukács, e à paixão repentina por Asja Lacis (bolchevique letã que ele havia conhecido em Capri), provocou a ebulição de um pensamento idiossincrático, profundamente original, que se revelou por meio de uma escrita singular - na qual, como disse Susan Sontag: "cada sentença é escrita como se fosse a primeira, ou a última". Se, a partir de então, o "comunismo radical" - como diz em uma carta a Scholem - aparecer-lhe-ia como o único caminho possível para a subversão da ordem burguesa, esta solução se apresenta, quase sempre, sob uma forma marcadamente "pessimista", tal como se nota no pequeno artigo "As armas do futuro" (1925), até pouco tempo inédito.
A profunda desconfiança em relação à utilização militar dos avanços científicos e técnicos modernos para fins destrutivos, exposta nesse texto, parece aludir antecipadamente tanto ao aforismo "Alarme de incêndio" (incluído em Rua de Mão Única, de 1928), quanto à reivindicação - em seu ensaio sobre o surrealismo (1929) - do "pessimismo revolucionário" evocado por Pierre Naville - antigo militante surrealista que havia aderido ao trotskismo.

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Edgar Allan Poe
Edgar Allan Poe (1809- 1849) foi um poeta, contista, crítico literário e editor americano. Escreveu, entre outros clássicos da literatura, o conto Os assassinatos da rua Morgue (1941). É autor de um conto muito lido nos cursos de sociologia e antropologia urbana, O homem na multidão (1840).


Nesse último texto - talvez o mais límpido testemunho do seu "marxismo libertário" -, Benjamin saúda os surrealistas por seu "pessimismo integral", "sem exceção", quer dizer, por sua "desconfiança acerca do destino da literatura", "da liberdade", "da humanidade europeia" e, "principalmente, desconfiança com relação a qualquer forma de entendimento mútuo: entre as classes, entre os povos, entre os indivíduos". Tal defesa de um "pessimismo revolucionário", em contraposição ao otimismo beato dos apologistas marxistas das "ideologias do progresso", explica, em grande medida, a hesitação (e posterior negativa) de Benjamin em aderir ao Partido Comunista, hesitação que se intensificaria - como resistência instintiva à emergência de uma nova razão de Estado - após a visita de alguns meses à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS ou União Soviética) em 1926/1927, e que o incitaria, anos depois, à admiração pela figura de Leon Trotsky.
A atenção aguçada para o "reverso", isto é, para a face destrutiva e desumana do progresso técnico, tipicamente romântica, será uma das características fundamentais do "marxismo da adversidade" de Walter Benjamin. Em O capitalismo como religião, esta crítica radical do "progresso" aparece de forma surpreendente na resenha (quase desconhecida), publicada em 1929, do livro de Marcel Brion sobre Bartolomé de Las Casas, bispo espanhol que tomou a defesa dos índios no processo de colonização do México.
Escovando a história "a contrapelo" (como ele sugere na sétima das teses de 1940), ou seja, concebendo-a do ponto de vista dos vencidos, Benjamin considera a colonização o primeiro estágio da "história colonialista dos povos europeus", a qual "transforma todo o novo mundo conquistado em uma câmara de tortura" (p. 171). Daí sua simpatia por Las Casas, que, "em nome do catolicismo", contrapôs-se "aos horrores cometidos em nome do catolicismo" (p. 172). Em sintonia com o marxista peruano José Carlos Mariátegui, ou com as recentes teorias latino-americanas da "descolonização", Benjamin visualiza no "processo pavoroso da conquista" as origens sangrentas do desenvolvimento do "progresso" moderno.
Compreende-se, assim, o entusiasmo que Benjamin nutria pela obra do antropólogo suíço Johann Jakob Bachofen (tido como reacionário), cuja noção de matriarcado ele enxergava os traços de um "comunismo primitivo", "imagens de um passado remoto" (como diz o autor em uma resenha do livro de Bernoulli sobre Bachofen) que habitam o "inconsciente coletivo", e que, em plena modernidade, poderiam servir como fonte de inspiração para a utopia projetada para o futuro. Isso porque, à diferença das sociedades capitalista- modernas, as sociedades arcaicas seriam detentoras de um aspecto decisivo para qualquer utopia futura: a harmonia entre o homem e a natureza, que também pode ser encontrada - conforme mostrará Benjamin no primeiro "Exposé" (1935) das Passagens ("Paris, capital do século XIX") - no pensamento do "socialismo utópico" francês Charles Fourier. Associando a abolição da exploração do trabalho humano e a abolição da exploração predatória da natureza, Benjamin manifestou uma espantosa (para a época) "sensibilidade ecossocialista", segundo defende Michael Löwy (p. 19).

ATEÍSMO RELIGIOSO OU TEOLOGIA SEM DEUS

A persistência de um elemento teológico nas reflexões "marxistas" de Benjamin configura um dos aspectos mais paradoxais do seu pensamento, e o eixo em torno do qual se desenvolveram as principais divergências interpretativas entre seus leitores. É em seu último texto, as "teses" de 1940, que essa estranha e original relação entre marxismo e teologia, política e religião, apresenta-se de modo definitivo, sobretudo na primeira tese: mesmo "pequena e feia", e sem "se deixar ver", a teologia é uma aliada imprescindível para que o "materialismo histórico" "ganhe" a partida. À teologia caberia estimular o redespertar da força explosiva, "messiânica" do materialismo histórico - reduzido por seus epígonos a um mero autômato petrificado e desprovido de vida.

No ensaio dedicado a Oskar Panizza e E. T. A. Hoffmann (1930), a dimensão teológica, associada às fontes românticas, é mobilizada a fim de estabelecer uma crítica radical da modernidade, ancorada na oposição entre o vivo e o autômato. Identificado ao diabólico, ao satânico, o automático assemelha-se, em Hoffmann, segundo Benjamin, a um "mecanismo artificial asqueroso", ao qual o escritor alemão opõe a "vida" em seu "lado puro e limpo dos espíritos" (p. 134). Manifestando-se ora na relação do operário com a máquina analisada por Marx, ora na do transeunte com a multidão descrita por Edgar Allan Poe e/ou por Charles Baudelaire, a figura do autômato tornou-se, na obra do próprio Benjamin, uma alegoria da vida moderna, uma vida que se encontra submetida a um tempo mecânico, "artificial" e repetitivo, despojado de toda "experiência" e, por esta razão, "infernal".
Na pequena resenha do livro O resgate, da escritora comunista judia Anna Seghers, publicada em 1938 com o título de Crônica dos desempregados alemães (p.159-166), o "inferno" da catástrofe é identificado ao nazismo, que representou uma "queda" ainda maior "para o abandonado que já está no fundo do poço". Enquanto aparecimento do "anticristo", o nazismo "arremeda a benção que foi anunciada como messiânica", tanto quanto "arremeda o socialismo", explorando para seus propósitos os flagelos infligidos pela guerra, pela miséria e pelo desemprego. Nesse sentido, diz Benjamin, o nazismo era uma espécie de "falso messias", em tudo oposto à esperança na possibilidade de uma autêntica "redenção messiânica" dos oprimidos.

Foto: Commons
Siegfried Kracauer
Escritor, jornalista e sociólogo alemão, Siegfried Kracauer (1889-1966) tem a parcela mais expressiva de sua obra vinculada à teoria crítica da Escola de Frankfurt. Analisou em seus livros e ensaios o cinema e a fotografia. Com a ascensão do governo nazista, partiu para Paris e de lá fixou-se em Nova York, onde trabalhou por alguns anos no Museu de Arte Moderna.
À ESQUERDA DO POSSÍVEL

O exílio em Paris, após a ascensão do nazismo na Alemanha (1933), ao mesmo tempo em que ratificou a paixão de Benjamin por esta cidade que, muito mais que Berlim (sua cidade natal), representava os paradoxos da paisagem urbana moderna carregada de mistérios (como demonstrara o surrealista Louis Aragon em seu romance "O camponês de Paris", muito apreciado por Benjamin), impôs-lhe os momentos mais difíceis de sua vida. Intensificou, além disso, o sentimento melancólico (spleen) da "catástrofe em permanência" que, segundo ele, inscreve-se no coração dos poemas de Baudelaire (cf. "Parque Central").
Vivendo precariamente de pequenos trabalhos encomendados por periódicos ou revistas, sua situação só não era pior devido às constantes ajudas financeiras que recebia de amigos como Scholem e o casal Th eodor e Gretel Adorno, ou ainda, a partir de 1937, em razão da pequena bolsa de estudos que ganhava do "Instituto de Pesquisa Social" - o qual havia emigrado para Genebra e, logo depois, para Nova York.
Principal responsável pela subvenção mensal concedida pelo "Instituto", Adorno - que Benjamin havia conhecido em 1923 por intermédio de um amigo em comum: Siegfried Kracauer - tornou-se, nesse período, uma espécie de "fiador" dos escritos do filósofo alemão da segunda metade da década de 1930, não hesitando em censurá-los pela suposta ausência de mediações e, acima de tudo, pelas consequências de sua excessiva "politização". A dependência material do Instituto, assim como a intransigência intelectual de Adorno (com sua conhecida "falta de tacto"), causou evidentes impactos na reflexão de Benjamin, sempre zelosa por adquirir "respeitabilidade" frente às posições do grupo.
É nesse contexto que se pode compreender o ensaio "Instituto alemão de livre pesquisa" (incluído na coletânea), publicado por Benjamin em 1938 na revista conservadora alemã "Medida e valor", e desconhecido até muito recentemente. Nessa homenagem - o único escrito de Benjamin sobre a chamada Escola de Frankfurt -, o filósofo alemão destaca a centralidade, nos trabalhos dos autores vinculados ao Instituto, da crítica ao positivismo, cuja "submissão acrítica do vigente", com sua apologia do fato consumado, fez dele "cúmplice da violência e da brutalidade". Em contraposição à "teoria tradicional", que congela o real em um "sistema", Benjamin visualiza nos teóricos críticos do Instituto "uma experiência inalienável que impregna todas as reflexões", isto é, um "experimento realizado no espaço aberto da história" (p. 150).
No limite, porém, Benjamin era igualmente um "herético", um "dissidente", mesmo entre seus colegas frankfurtianos. Espécie de "outsider de esquerda", "sentinela solitária", carregado de uma "apatia saturnina" ("o astro da revolução mais lenta, o planeta dos desvios e das dilações", como ele mesmo diz), sua melancolia revolucionária baseava-se na aposta de que não há esperança senão na "frágil força messiânica" dos oprimidos. Interessava-lhe, acima de tudo, manter abertas as vias de acesso às mais diversas (marxista, teológica e estética) formas de crítica radical do estabelecido. Como disse em um aforismo de 1931 ("Caráter destrutivo"), no que parece uma autodescrição: "já que vê caminhos por toda parte, está sempre na encruzilhada. Nenhum momento é capaz de saber o que o próximo traz. O que existe ele converte em ruínas, não por causa das ruínas, mas por causa do caminho que passa através delas".

Muito mais do que seus amigos do Instituto, Benjamin foi um vencido da história, uma expressão (se não uma alegoria) da derrota. Por isso mesmo, sob pena de vê-lo transformado em mais um "bem cultural" adaptado ao discurso dos vencedores, talvez seja necessário, hoje em dia, aplicar ao legado benjaminiano a atitude crítica que, segundo ele, deve ser própria do "materialista histórico" diante da "tradição dos oprimidos", qual seja: a necessidade de "arrancar a tradição do conformismo que dela busca se apoderar"

Muito mais do que seus amigos do Instituto, Benjamin foi um vencido da história, uma expressão (se não uma alegoria) da derrota. Por isso mesmo, sob pena de vê-lo transformado em mais um "bem cultural" adaptado ao discurso dos vencedores, talvez seja necessário, hoje em dia, aplicar ao legado benjaminiano a atitude crítica que, segundo ele, deve ser própria do "materialista histórico" diante da "tradição dos oprimidos", qual seja: a necessidade de "arrancar a tradição do conformismo que dela busca se apoderar" (VI tese). Essa é, quiçá, uma condição indispensável para a compreensão da "universalidade" e mais, da "atualidade" de Walter Benjamin (reivindicadas por Löwy), neste começo do século 21, quando o progresso da civilização capitalista conduz a humanidade na direção da catástrofe ecológica e social.
Projetar nova luz sobre este "outro" Benjamin, embora às vezes exagerando na valorização das dimensões românticas e teológicas do filósofo alemão, é um dos grandes feitos de Michael Löwy, já revelado em outros trabalhos (como os livros Redenção e Utopia e Walter Benjamin: aviso de incêndio), e coerentemente manifestados na organização de O capitalismo como religião. À diferença tanto das leituras marxistas "modernistas" inspiradas em B. Brecht quanto das interpretações "apolíticas" (meramente estéticas ou pós-modernas), o caráter radical e revolucionário do pensamento de Benjamin reside, para Löwy, exatamente na resistência melancólico-ativa (porque consciente do perigo da derrota) em face da reprodução da catástrofe.
Espreitando o horizonte do possível, cada segundo era, para Benjamin, "a porta estreita pela qual o messias pode entrar", o momento do "despertar" dos vencidos da história. Seu suicídio em setembro de 1940, sob a iminência da captura nazista, demonstrou o fracasso pessoal e político desta frágil esperança, mas significou também um derradeiro ato de resistência, uma resposta da vontade heroica à derrota da vontade, legando às gerações vindouras a necessidade de seguir apostando na possibilidade da redenção dos vencidos do presente e do passado.

*Fabio Mascaro Querido é doutorando em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/ Unicamp-SP), com bolsa da Fapesp.]

FONTE: Revista Filosofia

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