Por Rogério Rocha
Gostaria, inicialmente, de lhes fazer uma pergunta: quem de nós estaria preparado para morrer hoje? A resposta, talvez, não a tenhamos para logo, dada a profundidade do questionamento e a singularidade decisiva de sua implicação. E mesmo se a tivéssemos, restaria, ainda assim, a meu sentir, duvidosa em sua essência.
Todos já vivenciamos de alguma forma a experiência da morte, sobretudo pela perda de amigos e entes queridos. Portanto, a morte, desde quando muito pequenos, já não nos é uma completa estranha. Ainda assim, tratamos, muitos de nós, de tentar ignorá-la, esquecê-la ou evitá-la enquanto tema central dentro da realidade de nossas vidas. Outros, ao contrário, a celebram, a respeitam ou a tem como parte de algo insondável.
Sob o aspecto médico-legal, a morte já foi concebida como a cessação das funções cardíacas. Hoje é compreendida como a cessação das funções cerebrais. Biologicamente, portanto, encontra-se relacionada a um processo de passagem do tempo e degradação orgânica das estruturas físicas e psíquicas dos seres vivos, que se efetiva no momento da falência das funções do cérebro.
As seitas iniciáticas, as sociedades secretas, as religiões e a espiritualidade nos conscientizam sobre a necessidade de refletirmos sobre a morte. Os livros e rituais da Maçonaria, por exemplo, trazem um grande número de citações, referências e passagens alegóricas em torno da morte. Com elas, um fundo pedagógico, um ensinar a viver à espera desse momento final; um aproximar-se com menos medo e mais serenidade do sentimento de finitude, vulnerabilidade e fragilidade que nos acompanha desde sempre.
Mas, a par disso, quero trazer para esta reflexão alguns elementos da sabedoria do pensamento maçônico e da filosofia clássica de Roma, na figura do filósofo estóico Sêneca. Como referência, usarei excertos das obras “Sobre a brevidade da vida” e “Consolação a Márcia”, ambas da autoria do reverenciado pensador.
Em “Sobre a brevidade da vida”, por mais que não pareça, Sêneca trabalha com a tese central de que o tempo que temos não é curto, mas sim que perdemos grande parte dele com coisas tolas.
O fato é que a vida breve não é sempre assim tão breve. Ocorre que, por vezes, através de nossas condutas ou do próprio destino, se assim considerarmos, temos a existência abreviada. Logo, as catástrofes, os acidentes e o mau uso de nossas liberdades podem estipular um fim prematuro.
Segundo Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), para aquele que dela sabe dispor, a vida se estende por muito tempo. E o que a destrói é a dedicação a atividade inúteis.
Deste modo, há pessoas que não perseguem nenhum objetivo fixo, que se entregam aos vícios, às paixões ou que não empregam seu tempo consigo mesmos, mas com ocupações fúteis ou com a mera inatividade. Essas então esbanjam e perdem a vida para o tempo, dizia ele.
Por outra parte, há quem nunca tenha tempo para si nem para ninguém. Quem nunca tire férias e passe a vida inteira a trabalhar. Ou mesmo há pessoas que fazem planos para 15, 20 ou 30 anos, sem qualquer certeza de que chegarão até lá.
Volto a Sêneca e abro aspas para que o pensador possa falar sobre aprender a morrer e a viver:
“Deve-se aprender a viver por toda vida, e, por mais que tu talvez te espantes, a vida toda é um aprender a morrer. (…) Muitos dos maiores homens (…) empregaram até o último de seus dias para aprender a viver, contudo, muitos deles deixaram a vida tendo confessado ainda não sabê-lo.”
Aqui podemos retornar aos conhecimentos maçônicos e às referências simbólicas à morte em seus variados graus, mas, sobremodo, nos seus três graus de base. Outra vez a figura de um aprendizado que é buscado ao longo de toda a vida. Um aprender a viver em paz e união, dentro de vínculos fraternos, trabalhando as virtudes, buscando o conhecimento e aplacando as falhas e vícios, até que chegue aquele dia onde ocorre o encontro com o fim.
Daí podermos falar, dentro da filosofia maçônica, tanto num aprender a viver quanto num aprender a morrer. E isso é feito dentro da coisa mais preciosa de todas: o tempo.
Para Sêneca, a vida divide-se em três períodos: o que foi, o que é e o que há de ser. Dentre os quais o que vivemos é um momento breve; o que havemos de viver, duvidoso; o que já vivemos, certo. Ainda assim, há quem nunca seja senhor de um momento sequer da sua vida.
Em “Consolação a Márcia”, espécie de carta escrita com o fito de aplacar, pela via racional, as dores da alma de alguém que vive o luto duradouro de uma perda, o filósofo, escritor e político romano tenta dar alento e fazer mudar de postura a uma mulher que perdera o filho ainda muito jovem.
Passados três anos, Márcia, a mãe pesarosa, ainda chorava a morte do seu jovem rebento, cujo futuro promissor fora encerrado pelo advento de um terrível incidente. Com argumentos fortes e exemplos retirados da realidade, ele mostra a ela quantos também perderam seus entes queridos e foram capazes de superar o luto.
Para isso, leva-lhe a questionar se nossas dores devam ser grandes ou eternas. Mostra-lhe que nossos soluços não ressuscitarão os mortos e que nosso desamparo não mudará uma sorte imutável. Afinal, segundo explica, a morte é um golpe da vida há muito esperado e que devemos saber receber.
Sêneca alerta-nos ainda, por intermédio das falas dirigidas a Márcia, que não devemos nos iludir, pois somos meros depositários das coisas deste plano factual. Que elas passam, terminam, acabam. Logo, no mundo, de alguma forma, tudo é perda. Afinal, por quê inauguramos a vida em meio a lágrimas e choro? E reforçava, afirmando: “Se você chora porque seu filho morreu, culpe a hora em que ele nasceu. Seu fim lhe foi determinado desde o instante que veio ao mundo.”
Ademais, se para todos ela é o fim da existência orgânica, para muitos é a cura, para alguns a realização de um desejo. Montaigne dizia que: “Quem ensinasse os homens a morrer, os ensinaria a viver.” Platão, por sua vez, já afirmara: “A filosofia é uma preparação para a morte.” Epicuro também nos lembra que “A morte é uma quimera: porque enquanto eu existo, ela não existe; e quando ela existe, eu já não existo.”
A morte, então, acaba por nos lançar para fora da vida. E, para isso, nos coloca em confronto com o ato mais íntimo de nossa jornada. Por isso é poderosa a lição de Martin Heidegger, que em seu magistério nos alertava: “Em sentido genuíno, não fazemos a experiência da morte dos outros. No máximo, estamos apenas juntos”.
Ela é, pois, a última cena neste teatro que é o mundo. Aquela que nos lançará ao total desconhecido. Singular, intensa, só sua, só minha, ela seria uma espécie de trampolim para o porvir. Mas, afinal, transpor a vida não seria enfim um dos caminhos para a transcendência?
O fato é que, expostas tais considerações, gostaria de encerrar com algumas conclusões a que pude chegar: 1) A morte nos ensina tanto quanto a vida. Por essa razão, ela é capaz de ressignificar as nossas jornadas existenciais. 2) A morte é uma presença (constante). Mas por quê? Porque a vida é um projeto. Um desenvolver-se de coisas e momentos, no espaço e no tempo. E a morte (essa presença constante) vem para interromper o projeto da vida. 3) O saber e o conhecimento nos preparam para o bem envelhecer e para encararmos o fim da vida. 4) A morte não encerra a nossa história. Principalmente se tivermos uma vida valorosa e significativa. Pois é a partir daí que viraremos memória, seremos reconhecidos pelo que fomos e realizamos. E aqueles com quem partilhamos momentos contarão histórias sobre nós e celebrarão a saudade que deixarmos por meio de lembranças e homenagens.
Afinal, somos mesmo essas velhas crianças, sentadas nos bancos da estação do tempo, a perguntar, a todo momento, que horas são, somente para não esquecermos que o nosso destino é um dia partir.
Belíssimo texto poeta. Que a morte seja uma senhora lenta e preguiçosa mais que uma namorada saudosa.
ResponderExcluirGrato por tudo, amigo.
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