Por Gabriel Peters
Preâmbulo: menos psicologia das profundezas, mais lembretes de geladeira
Sei que você é uma pessoa intelectualmente séria, cuja paciência está provavelmente mais talhada para tolerar piruetas lacanianas do que qualquer coisa que soe como autoajuda para empreendedores da nova era. (Declaro abortada de saída, portanto, minha intenção primeira de intitular este texto “Os sete hábitos dos pós-graduandos altamente eficazes”). Diante de temas como a procrastinação e o bloqueio para a escrita, seria fascinante explorar, digamos, como o perfeccionismo paralisante de alguns doutorandos é manifestação superficial do terror da Falta (com tenebrosa maiúscula) que habita o mais íntimo do seu ser. Também é plausível supor que a insatisfação crônica de um punhado de mestrandos diante da própria escrita tenha suas raízes no mais fundo de sua psique, oriunda que foi do convívio traumático com autoridades repressivas na família ou na escola. Tais explorações em psicologia profunda, a despeito do que trazem de emocionalmente desconfortável, são desafios intelectuais atraentes à nossa atenção, particularmente quando alimentadas pela expectativa de que uma epifania decisiva dissolva o problema em uma catarse-relâmpago.
Todavia, esperar que o desbloqueio da sua dissertação ou tese advenha de uma epifania é, para dizer o mínimo, um bocado arriscado. Nesse sentido, sem que seja preciso que você abandone a exploração das próprias profundezas, veja se o seu trabalho também consegue avançar com este punhado de lembretes práticos que vão abaixo – no essencial, todos eles fixáveis em post-its na geladeira, no quarto, no armário ou em qualquer outro canto no qual você os encontre com frequência. A premissa por trás dessa estratégia prática foi formulada por Samuel Johnson, que sublinhou ser mais frequente que os seres humanos precisem ser lembrados de algo que já sabem do que informados de algo que não sabiam.
Será mesmo? Freud apresentou a psicanálise como a terceira das “feridas narcísicas” que o avanço do conhecimento infligiu à humanidade, vindo em seguida ao modelo copernicano do sistema solar e à teoria darwiniana da evolução. Ainda assim, a ideia de que minha psique possui profundezas inexauríveis, as quais aparecem a mim sob mensagens codificadas (p.ex., em sonhos, atos falhos e sintomas neuróticos), é bem mais agradável ao meu narcisismo do que o reconhecimento de que preciso dirigir os mesmos lembretes estupidamente triviais a mim mesmo, todo santo dia, para sair do meu estado natural de letargia de lesma. Se você está lendo este texto, talvez – de repente, quem sabe – seja a hora de admitir que o seu caso é como o meu. Não há, no entanto, do que se envergonhar. Marco Aurélio e Montaigne também precisavam desses lembretes. E, de resto, prometo que não sugerirei que você repita afirmações positivas diante do espelho (p.ex., “serei o doutorando mais produtivo do meu programa de pós-graduação” etc.).
Antes de pôr mãos à obra, uma notinha preliminar: com frequência, o bloqueio para a escrita da tese se atrela a formas mais graves de sofrimento psíquico, como depressão, transtorno de ansiedade e síndrome do pânico. Obviamente, o presente texto NÃO sugere, de maneira alguma, que tais problemas sejam plenamente enfrentáveis através de lembretes de geladeira. As dicas práticas aqui ensaiadas pretendem ser apenas parte de um sistema de apoio que, a depender do que é necessário e factível, pode muito bem incluir auxílio psicoterapêutico, psiquiátrico etc.
Processo, processo, processo…
Em primeiro lugar, para falar como a psicóloga Carol Dweck (1986), substitua uma orientação de trabalho demasiado voltada ao resultado (i.e., o produto acabado) por uma orientação mais voltada ao processo (i.e., a prática regular da escrita e da revisão). Em boa parte dos casos, o pânico diante da escrita resulta de um contraste mental entre o resultado que idealizamos de antemão (p.ex., uma tese erudita, original e bem organizada de 300 páginas) e o que temos por ora (p.ex., uma página em branco ou, ainda, um punhado de ideias que até pareciam interessantes na nossa cabeça, mas se mostram belas porcarias quando transpostas para o papel em nossas primeiras tentativas).
Lembre-se: a rigor, ninguém se senta para escrever uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado. Qualquer produto intelectual dessa natureza só pode ser resultado de pequeninos blocos atados entre si. Isto significa que cada uma das suas sessões de escrita jamais será dedicada a escrever “uma tese”, mas a trabalhar neste ou naquele pedaço da tese. Talvez você se impaciente diante de tamanha trivialidade tentando se passar por sabedoria. Porém, acredite em mim, a mudança de foco do “resultado” para o “processo” fará toda a diferença para o seu cérebro visceral, justamente aquela parte da sua mente que fica terrivelmente angustiada diante da tarefa hercúlea à sua frente (TESE! AAAAAAH!) e lhe leva a querer fazer qualquer outra coisa que não seja enfrentar o trabalho. Não há tarefa hercúlea à sua frente. Há apenas este pequeno pedaço da tese – digamos, dois ou três parágrafos – que você precisa escrever hoje. Amanhã, mais dois ou três parágrafos. Repita o processo com consistência e descobrirá um dia que construiu o Taj Mahal – ou, pelo menos, uma tese passável.
Rascunhos horrorosos, edições lindas
Uma das causas mais comuns do bloqueio para a escrita é a prematura entrada em cena de nossa “mente” editorial. Sobretudo nas etapas iniciais da escrita, quando estamos experimentando ideias diversas, um olhar editorial demasiado rigoroso gerará imensa frustração. Se sua mente editorial não relaxar nem por um segundo, sobretudo diante dos seus primeiros e vacilantes esforços, ela rejeitará uma série de ideias antes mesmo que você tenha qualquer chance de explorá-las e, possivelmente, transformá-las em algo de valor. Em outras palavras, o editor interno sacrificará no nascedouro ideias que, não importam quais sejam seus defeitos iniciais, possuem um significativo potencial de melhora. A extensão do problema tende a aumentar, aliás, quanto mais exigentes forem os modelos de boa escrita que a/o estudante tem em mente. Não à toa, o bloqueio para a escrita ataca frequentemente as figuras mais estudiosas. Acostumadas a respirar no ar rarefeito dos melhores escritos, elas se sentem frustradas quando comparam aquele ar aos seus primeiros esforços. Pior ainda se sentirão caso tenham comprado o detestável mito de que bons textos fluem da pena/teclado de seus autores com espontânea facilidade, em vez de resultarem, pelo menos na grande parte dos casos, da disposição de quem escreve em bater a cabeça na parede até fazer um buraco (e descobrir, claro, que há outra parede por detrás da primeira e é hora de voltar a bater a cabeça).
Mas há um modo de evitar que nossos primeiros esforços sejam esmagados por nosso editor interior, antes mesmo que nossas ideias tenham alguma chance de respirar e, quem sabe, florescer: quando planejar suas sessões de trabalho, estabeleça uma distinção nítida entre a fase de criação e experimentação, de um lado, e a fase de revisão e edição, de outro.
Como já sublinhei noutro canto, Kurt Vonnegut afirmou que há dois tipos de escritores. De um lado, aqueles que lançam pedaços inteiros de ideias na página, não importa quão desordenadamente, para somente depois voltarem a esses escritos buscando editá-los, reeditá-los e reeditá-los até que eles fiquem bons. De outro lado, continua Vonnegut, encontramos os artesãos superescrupulosos das frases perfeitas, os quais burilam pacientemente cada sentença e só passam à seguinte quando satisfeitos com o que fizeram. Para pessoas que sofrem de procrastinação e perfeccionismo paralisante, o segundo método listado por Vonnegut é um bocado perigoso: tentar produzir uma sentença perfeita antes de passar à próxima pode significar jamais sair da primeira frase e abandonar o trabalho com uma profunda (embora errônea) sensação de incompetência. Em vez disso, sugiro que você produza grandes blocos de rascunho para revisá-los e editá-los depois. Como você é uma pessoa autoexigente, os primeiros exercícios de rascunho gerarão uma série de reações mentais do seu editor interno: “isso está uma bosta!”, “sou uma fraude e todo mundo irá descobrir!”, “vou ser destruído na banca” etc. Mantenha esses dedos em movimento ainda assim. Eis alguns lembretes que ajudam.
Para a fase criativa (1): um poema se faz com palavras (uma tese também)
Houve um tempo em que Edgar Degas, o famoso pintor, vinha tentando a sorte na poesia. No entanto, ele confidenciaria com aflição ao poeta Stéphane Mallarmé que, embora estivesse “cheio de ideias”, vinha esbarrando em uma extrema dificuldade em expressá-las de modo satisfatório. “Meu caro Degas”, respondeu o sábio Mallarmé, “não é com ideias que se faz verso, mas com palavras”. Uma interpretação literária do comentário mallarmaico diria, sem dúvida, que ele bem exprime o impulso antidenotativo de sua poesia, sua ruptura com a literatura voltada à figuração mimética das coisas em favor de um texto tornado autossuficiente, tanto em relação ao mundo quanto ao autor. Como sua réplica a Degas se fez em contexto informal, no entanto, gostaria de me apropriar de sua lição de modo filistino e bárbaro, porém prático:um texto é só um bocado de palavras.
Naturalmente, este lembrete não precisa ser dirigido àqueles que contribuem para a atual superprodução de refugo textual, isto é, as tantas e tantas pessoas que não estabelecem, para si, os requisitos mínimos de responsabilidade para com o conteúdo e o estilo do que escrevem. Parte do que fazem orientadoras e orientadores é contrabalançar, com toda razão, a autoconfiança opiniosa e a leviandade intelectual dessas criaturas. No entanto, precisamente porque elas são mais loquazes, essas pessoas terminam por deixar na sombra aqueles que se caracterizam não pela autoconfiança intelectual infundada, mas por uma autocrítica tão severa que chega a paralisá-los. Textos escritos às pressas e sem cuidados mínimos possuem uma visibilidade que é negada, por motivos óbvios, às dissertações jamais terminadas e às teses abandonadas pelo caminho, o mesmo valendo para os sofrimentos solitários daqueles que foram maltratados pelo bloqueio, pela procrastinação e pelo perfeccionismo disfuncional. O lembrete de que um texto é apenas um bocado de palavras serve como auxílio ao desbloqueio dessas almas, cujas travas para a escrita derivam de uma reverência demasiada pelo ato de escrever, sobretudo nas suas etapas iniciais. Eis uma diretriz dirigida não aos ignorantes opiniosos, mas, ao contrário, aos autores tão conscienciosos que não conseguem escrever: no fim das contas, trata-se apenas de um bocado de palavras.
Para a fase criativa (2): pense com o teclado (ou com a caneta)
Não suporto essas criaturas pedantes que multiplicam citações e nomes desnecessariamente. Isto me lembra, aliás, uma citação em que Arthur Kristal cita Edgar Allan Poe citando (erroneamente) Michel de Montaigne:
“Como a maior parte dos escritores, pareço ser mais inteligente no papel do que em pessoa. Na verdade, sou mais inteligente quando estou escrevendo. Não afirmo isto apenas porque normalmente não há ninguém ao redor para observar os inícios falsos e as frases sofríveis que zombam de minha suposta inteligência, mas porque, quando o trabalho corre bem, estou exprimindo opiniões que nunca enunciei em conversas e que, de outro modo, jamais teriam me ocorrido. (…) De acordo com Edgar Allan Poe,…‘algum francês – possivelmente Montaigne -, diz: “As pessoas falam sobre pensar, mas, de minha parte, nunca penso a não ser quando me sento para escrever”’. Não pude achar essas palavras em minha cópia de Montaigne, mas concordo com o pensamento…E não é apenas porque escrever me ajuda a organizar minhas ideias ou revelar como me sinto a respeito de algo, mas porque escrever efetivamente cria pensamento ou, no mínimo, oferece uma placa de Petri para sua gênese” (Krystal, 2011: 12).
Começando pelo ululantemente óbvio, a razão de ser de uma dissertação de mestrado ou de uma tese de doutorado é, pelo menos em ideal, uma contribuição construtiva a certo domínio de conhecimento. É a necessidade de oferecer tal contribuição que exige que a escrita do trabalho final seja precedida de muita reflexão e pesquisa. No entanto, como indicam as sábias palavras de (pseudo-)Montaigne, a precedência lógica da pesquisa sobre a escrita não deve ser confundida com uma nítida e cerrada precedência cronológica de uma sobre a outra. Em outras palavras, a escrita não apenas é o que você faz para apresentar sua pesquisa; ela é uma parte importantíssima da própria pesquisa. A expressão discursiva não é a simples tradução de nossas reflexões prévias; ela é um instrumento pelo qual tais reflexões tornam-se mais nítidas e organizadas para nós próprios. Trata-se de um insight frequentemente descoberto, por exemplo, por quem escreve em diários ou faz terapia: em ambos os casos, o mero exercício de tentar oferecer uma elaboração discursiva de experiências vividas, de modo mais ou menos confuso, dá à pessoa uma apreensão mais translúcida de tais experiências. Em suma sumaríssima: pense na escrita como um caminho para gerar ideias, não apenas para expressá-las.
Posso ouvir objeções imediatas: “Seu conselho, se não for somente dispensável, é também pernicioso! A figura mais tristemente comum em nosso ambiente barulhento, carregado de ignorância opiniosa, é o sujeito que não pensa nem antes de escrever nem antes de postar/enviar/publicar o que escreveu!”. Assino embaixo. Porém, lembremos de novo que o conselho acima não se dirige a tal sujeito, mas às figuras que têm sua trajetória acadêmica e profissional, para não falar na sua saúde física e mental, prejudicadas não por serem conscienciosas de menos, mas, ao contrário, por sê-lo em excesso. A diretriz serve também àqueles que acalentam, no fundo de suas psiques, a crença mágica de que o trabalho na pós-graduação está dividido em duas fases nítidas: a) uma pesquisa bibliográfica muito bem feita, isto é (sic), repetidamente prolongada com passos extras…e passos extras…e passos extras após os passos extras (“Agora sim! Só mais esse livro, daí começo a escrever”); b) aquele momento recompensador em que, ao nos sentarmos para escrever, esse montante pantagruélico de informações ingeridas se transmutará, com rapidez e facilidade, em uma síntese lindamente acabada. Raras serão as pessoas que dirão acreditar nessa ideia quando ela é explicitada desse modo. No entanto, inúmeros são os pós-graduandos que parecem comportar-se como se ela fosse verdadeira.
Contra essa premissa, vale a pena experimentar uma atividade de vai e vem intelectual (chame de “dialética heurística”, se achar mais bonito) entre escrita e leitura. Ao se esforçar para lançar ideias no papel, você terá um senso mais agudo das lacunas de seu trabalho, o que lhe guiará no retorno à pesquisa bibliográfica. A leitura lhe permitirá retornar ao texto para escrever preenchendo as lacunas. Tal preenchimento possivelmente lhe indicará a existência de lacunas entre as lacunas, e assim por diante…Mas as primeiras versões do texto não ficarão um lixo? Claro! Como ensinou Hemingway, “o primeiro rascunho de qualquer coisa é uma merda”. Essa merda será, no entanto, lenta e pacientemente transmutada por você em uma coisa digna de leitura.
Para a fase criativa (3): quantidade e velocidade
Quando o assunto é leitura ou escrita, almas escrupulosas vilipendiam a primazia contemporânea da quantidade sobre a qualidade de informações. Não há dúvida de que um dos tesouros culturais a defender nessa era da overdose de estímulos rapidamente descartáveis é o ideal contrário, qual seja, o do artesanato intelectual paciente e escrupuloso. Um dos aspectos fundamentais da separação entre a leviandade do discurso opinioso e o rigor da pesquisa conscienciosa é, com efeito, a crença bem fundamentada de que a última é, por ser mais trabalhosa, necessariamente mais lenta. Observe-se, no entanto, que a “lentidão” da deliberação intelectual e da pesquisa rigorosa é um atributo global do trabalho científico, pensado a médio e longo prazo. O que esse elogio muito sensato da ciência lenta como atividade global deixa de lado é o fato de que diferentes aspectos desse trabalho intelectual in toto podem se beneficiar de ritmos diferentes.
Nesse sentido, espero não ser mal interpretado se oferecer a seguinte recomendação: na etapa inicial da escrita, dedicada à produção dos primeiros rascunhos, é não só aceitável como desejável que você coloque suas ideias no papel privilegiando a velocidade em vez da precisão e a quantidade em vez da qualidade. Sei que o lado da sua mente que aprecia coisas bem feitas se alarmou de pronto diante dessa diretriz, mas lembre-se: tal postura só contribuiria para o produtivismo acelerado e a superprodução de refugo bibliográfico que flagelam a academia contemporânea caso sua atitude, após a produção desses primeiros rascunhos, fosse a de enviá-los imediatamente para publicação. Pensado como parte de uma divisão nítida do trabalho, no entanto, o “momento experimental” não significa o abandono da preocupação com o processo editorial ou com a adequação do conteúdo informativo do estudo à melhor forma possível. Ao contrário, tal divisão dá tamanha importância ao aperfeiçoamento do texto ao longo de várias revisões e reescritas que ela aloca um tempo específico para a tarefa de transformar um amontoado confuso de ideias em um trabalho organizado.
O caráter experimental dessa etapa criativa do trabalho significa, é claro, que nem todas as ideias (na verdade, nem mesmo a maioria das ideias) lançadas no papel se mostrarão interessantes a um segundo olhar. Ainda assim, se você não suportar desenvolver ideias estúpidas ou ridículas (e desenvolvê-las aos montes!), jamais terá a chance de se sair com ideias interessantes. Portanto, na fase inventiva e experimental do trabalho, mantenha esses dedos em movimento sem se preocupar, por ora, com o rastro de defeitos que vai deixando pelo caminho. O objetivo é estabelecer um embalo intelectual no qual ideias e associações possam ser livremente experimentadas. Dar primazia ao embalo significa deixar os polimentos e correções textuais para mais tarde. Se determinados termos aparecem repetidas vezes, por exemplo, lembre-se que o que importa é que as ideias sejam suficientemente inteligíveis para você mesma/o no trabalho de revisão, o qual será voltado justamente a tais ajustes editoriais.
Depois, edite e melhore, edite e melhore, edite e melhore. No mínimo, umas cinco vezes; no máximo, digamos, umas 50. Depois disso, presenteie a si próprio com uma(s) cerveja(s) ou o que quer que funcione para você: você fez o melhor que pôde, e as imperfeições restantes podem ser creditadas ao fato de que você é um mamífero – portanto, finito e imperfeito por definição.
Construa um bunker (pelo menos metaforicamente)
Certa feita, Steve Jobs surpreendeu um jornalista do New York Times ao afirmar que seus filhos estavam proibidos de utilizar o iPad. Adam Alter (2017) se deu conta de que outros megaempresários do setor de tecnologia impunham restrições muito similares aos seus filhos. Por quê? Porque tais empresários bem sabem que o modus operandi de plataformas como o Facebook, o Twitter e o Whatsapp é voltado, em última instância, a produzir VICIADOS. Segundo Alter, Jobs e outros estavam apenas seguindo uma das regras de ouro do livro dos traficantes: jamais se vicie no produto que você vende.
Calma! Juro que meu intuito não é o de encorajar paranoias tecnofóbicas. Quero apenas que você leve a sério a ameaça que nossos apetrechos tecnológicos representam para nossa capacidade de trabalho intelectual concentrado. Diante dessa ameaça, vale a pena incorporar um princípio psicológico conhecido, no mínimo, desde a história de Ulisses e das sereias na Odisseia: o modo mais eficaz de exercer autocontrole é se lançar em situações que não exijam demais do seu autocontrole. Se eu puder me repetir só dessa vez:
Há muitas distrações em casa? Vá à biblioteca ou construa o equivalente prático de um bunker no porão. Estabeleça horários específicos para checar o celular ou acessar a Internet. Se é difícil resistir à tentação, não apenas silencie as notificações do Whatsapp: desligue o celular e coloque-o em outro aposento distante, preferencialmente debaixo de uma pilha de roupas (sim, ele não faria barulho de todo modo, mas o efeito psicológico é importante). Desabilite o wi-fi do seu notebook (e se eu tiver de pesquisar um termo em língua estrangeira ou um verbete de enciclopédia? Sem problema: anoto no papel e pesquiso depois). E assim por diante…
Enfim, seja engenhoso e criativo em proteger-se de si mesmo.
Suma sumaríssima: um parágrafo merda por dia
Ok, nem mesmo dois ou três parágrafos por dia. O conselho decisivo: escreva um parágrafo merda todos os dias. O que deveria ser absolutamente inegociável nessa diretriz? A meu ver, que produzamos pelo menos um parágrafo, e o façamos todos os dias. Não é indispensável que o parágrafo esteja uma merda. Na realidade, suspeito que o trabalho diário e o retorno consistente ao texto incrementarão um bocado a sua qualidade. A ideia de um “parágrafo merda” serve apenas de lembrete para o fato de que, se você escreveu seu parágrafo naquele dia, como havia feito ontem e fará amanhã, você venceu a resistência. Portanto, seu dia de trabalho foi um sucesso, mesmo que o parágrafo esteja realmente uma merda. Retorne aos seus parágrafos-merda com frequência, melhorando-os e polindo-os como um alquimista paciente que os transformará em ouro ou, pelo menos, em algo que já não é mais merda.
Estas são, por ora, as minhas dicas. Como Marx (Groucho, não Karl) com seus princípios morais, eu tenho outras. Tratarei delas noutro dia. Agora vá escrever aquele parágrafo merda de hoje. Estou torcendo por você!
Referências
ALTER, Adam. Irresistible: the rise of addictive technology. New York, Penguin, 2017.
DWECK, Carol. “Motivational processes affecting learning”. American psychologist.41, n.10, 1986.
KRYSTAL, Arthur. Except when I write: reflections of a recovering critic. New York, Oxford University Press, 2011.
Originalmente publicado em: https://blogdosociofilo.wordpress.com/2017/11/29/panico-da-pagina-em-branco-um-paragrafo-merda-por-dia-e-outras-dicas-para-desbloquear-sua-tese-por-gabriel-peters/
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