quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Ética das Virtudes x Ética dos Deveres: o debate Ético em Alasdair MacIntyre


1) O Debate Ético Moderno
É comum a preocupação atual pela defesa de padrões éticos na atividade política, administração pública, prestação jurisdicional e gestão negocial, diante de tantos escândalos que vêm à tona e mostram uma moral de fachada e uma conduta corrompida e corruptora em todos os níveis sociais. O que diverge, no entanto, são as opiniões acerca de quais seriam esses padrões éticos a pautar a conduta pessoal e social. Quando se fala de ‘Ética’, fala-se, a rigor, de muitas ‘éticas’, cada qual com suas exigências e destravamentos.

Alasdair MacIntyre, ao descrever o debate ético moderno, caracteriza-o por discussões intermináveis com discordâncias inconciliáveis, nas quais a vontade sobrepuja a razão. E aponta como causas desse dissenso (cfr. Depois da Virtude, EDUSC – 2001 – Bauru, tradução de Jussara Simões, pgs. 13-49):
a) diversidade conceitual das premissas que embasam a argumentação;
b) busca-se dar uma aparência impessoal e racional da argumentação, que manifesta mais o desejo do que a obrigação;
c) mistura desarmônica de fragmentos mal-organizados (citam-se autores como autoridade, mas fora de seus contextos globais e como se fossem todos contemporâneos).
Diante desse quadro, surge a questão crucial: haveria um denominador comum a pautar o agir humano? Mais ainda: conceitualmente, uns falam de Ética, outros de Moral. Seriam palavras sinônimas ou teriam algum diferencial?
Etimologicamente, Ética e Moral são sinônimos, significando costume (Ethos do grego eMores do latim). No entanto, muitos fazem a distinção entre a Ética, que seria o padrão de comportamento de um grupo ou comunidade e, portanto, relativa, enquanto a Moral diria respeito ao ideal de comportamento segundo as exigências da natureza racional comum a todos os homens, e, nesse sentido, objetiva. Assim, até a máfia teria seu código de ética (pode matar, mas não se envolver com droga), apesar de sua imoralidade patente. Preferimos, no entanto, a sinonímia entre os 2 termos, pois não se pode chamar de ético a qualquer padrão estabelecido de comportamento.
2) As Diferentes Visões da Ética
Ao longo da História do Pensamento Ocidental, podemos detectar basicamente 5 diferentes  enfoques explicativos do fenômeno moral, conforme o fundamento no qual se baseia o comportamento humano (cfr. Servais PinckaersLas Fuentes de la Moral Cristiana, Eunsa – 2000 – Pamplona, 2a. Edição, pgs. 28-32):
a) ética eudemonológica (das virtudes) – é a ética clássica, focada no que pode conduzir à felicidade natural (Platão e Aristóteles).
b) ética cristã (das bem-aventuranças) – constitui uma elevação da ética natural, pelas exigências maiores que traz, em face do bem mais elevado para o qual aponta: a felicidade eterna (S. Agostinho e S. Tomás de Aquino).
c) ética legalista (dos deveres) – é a ética moderna, com o foco nas obrigações e proibições, onde o motor do agir não seria a felicidade, mas o puro dever, que, assim, nos tornaria dignos da felicidade (Descartes e Kant).
d) ética utilitarista (dos prazeres) – quase não poderia ser chamada de ética, por sua visão pragmática em que os fins pessoais justificam os meios, tendo como fator de ponderação a renúncia a prazeres inferiores e imediatos em vista de prazeres futuros e superiores(Epicuro e Bentham).
e) ética axiológica (dos valores) – centrada naquilo que transcende o meramente factual (bens) para atingir o essencial (valores), captados por uma intuição emocional (Scheler).
evolução de uma para outra visão pode ser compreendida tendo em vista os seguintes passos (cfr. Alasdair MacIntyreop. cit., pgs. 73-140):
a) a teologia católica aproveitou o arcabouço filosófico da ética clássica, combinando a captação racional dos preceitos morais pela observação do modo de agir da natureza humana com a revelação divina desses mesmos preceitos (dupla fonte que chega à mesma lei moral);
b) teologia protestante, partindo do postulado de que a natureza humana estaria absolutamente corrompida, concluiu que não se poderia chegar pela razão à conclusão do que seriam as regras morais naturais (fonte exclusiva na revelação divina);
c) iluminismo afastará a fundamentação teológica, tentando ficar apenas com a razão, mas ao rejeitar a observação da natureza humana, tentará deduzir da própria reflexão os imperativos morais, não o conseguindo;
d) as incongruências racionalistas serão apontadas pelo intuicionismo, que busca base diversa para a captação da ordem moral, não na razão, mas no sentimento estético da beleza moral;
e) modernamente, racionalismo e intuicionismo, acabaram desbancados pelo emotivismo, que considera ambas as fundamentações meramente retóricas, uma vez que as escolhas pessoais estariam pautadas apenas pelos desejos individuais e a realização da própria satisfação (série de oportunidades para maximizar seu prazer).
3) O Utilitarismo: A Anti-Ética
Comparando as diferentes visões, a primeira conclusão que se pode chegar é a de que prazer não é sinônimo de felicidade. O prazer está num nível inferior, de mera satisfação dos instintos (bem-estar físico), enquanto a felicidade implica o sentimento de plenitude, que abrange a satisfação das mais elevadas potências da alma, que são a inteligência (pelo conhecimento) e a vontade (pelo amor). Assim, há pessoas que tem tudo e são infelizes, enquanto outras padecem sofrimentos físicos e gozam de uma paz e felicidade indizíveis.
Uma ética pautada na busca do prazer, portanto, além de ser um engodo (não traz a felicidade), não se coaduna com o sentido mais genuíno do termo ética, que diz respeito a um padrão ideal de comportamento conforme à natureza racional do homem. A ética utilitarista ou ética do prazer seria a ética dos animais, que não se pautam pela razão, mas exclusivamente pelos instintos, buscando satisfazê-los. É a ética das crianças, conforme repetidas vezes se expressa Aristóteles, ao comparar a criança ao animal, por se pautar apenas pelo gosto e atração instintiva de momento. O homem maduro não se contenta com um nível tão baixo. Aspira a mais.
Expressão mais moderna da ética utilitarista é o denominado emotivismo, desenvolvido por C. L. Stevenson (1945), segundo o qual os juízos morais expressam apenas estados emocionais ou afetivos de aprovação de condutas, segundo preferências pessoais(tentativa de superação das incongruências do intuicionismo), pois não seria possível oferecer uma justificativa racional para uma moralidade objetiva (cfr. Alasdair MacIntyreop. cit., pgs. 51-72). O mundo social seria apenas o ponto de encontro para os desejos individuais e a realização da própria satisfação (série de oportunidades para maximizar seu prazer). Quantas vezes não ouvimos a justificativa para as mais variadas capitulações morais: “Mas, afinal de contas, eu também tenho o direito de ser feliz!”. Provavelmente quem a esgrime nem estará sendo ético, nem será efetivamente feliz, se seguiu o caminho contrário à virtude.
O próprio Aristóteles reconhece que a virtude guarda relação com o prazer e a dor, mas para agir da melhor forma em relação a eles, não se deixando pautar pela exclusiva busca do prazer e fuga da dor, o que não permitiria realizar ações nobres (Ética a Nicômaco, Livro II, n. 3).
Ademais, são o sofrimento e a dor que fazem o homem se perguntar sobre o sentido da vida e da existência e sobre os valores morais e religiosos, colocando em xeque a Bondade e existência de Deus, em face do problema do mal. Seria possível a felicidade sem o conhecimento do sofrimento?
4) O Legalismo: Uma Ética Antipática
Uma segunda observação que se pode fazer sobre o quadro comparativo dos sistemas éticosé a de que a visão moderna, da ética legalista, torna a moral um conjunto arbitrário e antipático de obrigações e proibições. O dever aparece como o oposto do prazer. O seguinte diálogo da estória em quadrinhos de Calvin (personagem criado por Bill Watterson) é emblemático dessa visão pessimista com respeito à ética:
- Pai, porque  eu não posso fazer o que gosto e devo fazer o que não gosto?
– Bem-vindo ao mundo, Calvin!
É interessante acompanhar o itinerário percorrido por Kant para chegar à sua ética legalista e formalista (cfr. Ives Gandra Martins FilhoManual Esquemático de História da Filosofia, LTr – São Paulo – 2004, 3a. Edição, pgs. 205-217):
a) na “Crítica da Razão Pura” (1781), Kant, partindo do pressuposto de que as coisas em si (a que chama “nômeno”) não seriam cognoscíveis, mas apenas suas aparências (fenômenos), concluiria que o conhecimento não se daria pela adequação da mente ao objeto conhecido (próprio da postura realista), mas pela adequação do objeto ao sujeito cognoscente (nova visão, de caráter idealista):“Até agora se admitia que todo o nosso conhecimento se devia regular pelos objetos… Não seríamos mais afortunados nos problemas de metafísica formulando a hipótese de que os objetos devem se regular pelo nosso conhecimento?”.
b) na “Crítica da Razão Prática” (1788), Kant, seguindo no caminho idealista iniciado na obra anterior, recusa fundamentar a ética na experiência e observação do modo de agir próprio da natureza humana, por considerar que os instintos humanos estariam corrompidos e tenderiam ao egoísmo, pelo que conclui que o fundamento da moral seria a razão pessoal e toda a ética se resumiria num princípio formal (ou seja, sem conteúdo específico) e geral, a que chamou de imperativo categórico:“Age em cada momento de tal modo que o teu agir possa ser erigido em lei universal”.
c) na “Crítica do Juízo” (1790), percebendo, talvez, as incoerências e contradições entre a concepção que faz da razão pura e da razão prática (o que nega ser cognoscível pela razão prática – Deus, o mundo e a alma -, reconhece como base indispensável para a razão prática),Kant busca agora a mediação entre o mundo fenomênico captado pela razão pura e o mundo numênico captado pela razão prática (a liberdade e o supra-sensível), dando-lhes uma unidade, sendo o elo de ligação o juízo estético (o belo e sublime), que superaria todo o racional e todo o prático, pela intuição do belo:“Duas coisas enchem-me o espírito de admiração e reverência: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim”.
Ora, não há dúvida de que as ações nobres, que compõem a virtude e são o objeto da ética, atraem pela sua beleza. O dito popular de que “quem vê cara não vê coração” é a melhor expressão de que a beleza física pode esconder uma vileza interior e vice-versa, como também de que a beleza moral torna, com o passar do tempo, as pessoas mais atrativas. Com efeito, escreveu S. Tomás de Aquino que “a beleza é a causa primeira e específica do amor”(Suma Teológica, I-II, q. 27, a 1, ad 3). Mais do que às formas visíveis, a beleza afeta o interior dos seres: ações belas e beleza moral. No entanto, dizer que o fundamento da ética é a intuição estética do bem é relativizar de tal modo a moral, que cada um passa a ter a sua.
Nesse sentido, a conhecida expressão de S. Agostinho “ama e faz o que queres” (Sermão VII, 8 sobre a 1ª Epistola de S. João, IV, 4-12; “ama et fac quod vis” – “In Epistolam Joannis ad Parthos Tractatus Decem”) tem sido mal entendida e mal empregada, quando usada para justificar toda e qualquer ação baseada numa paixão. Não significa “ama e faz o que te apetece”, o que seria uma contradição. Quer dizer, na verdade, sabendo-se que o amor supõe vencer o egoísmo e querer o bem da pessoa amada“Se amares de verdade, vais saber escolher o bem e o melhor”.
Essa é a essência da Ética das Virtudes, oposta fundamentalmente à Ética dos Prazeres ou à Ética dos Deveres. Em vez de ver na Moral um conjunto de proibições de prazeres, próprio da ética legalista focada nas obrigações e deveres, descobrir que é a ciência da excelência e da felicidade: em vez de dizer ”não faça isso”, dizer ”aquilo é melhor!”.
Indo mais além, a diferença entre as 2 visões da Ética se percebe também naquilo que caracteriza o ato moral, que é a liberdade: o formalismo legalista relativiza a moral a ponto de fundamentá-la numa liberdade de indiferença, para a qual o que importa é escolher em consciência, independentemente do conteúdo do que se escolhe; já a ética eudemonológica se arrima numa liberdade de qualidade, em que importa muito escolher bem e o melhor. Se, por um lado, é certo que o agir moral supõe seguir os ditames da própria consciência, por outro lado, se esta estiver mal conformada com a realidade da natureza, o fruto será a infelicidade, ainda que se tenha agido retamente. Quantos não erram, agindo com total boa-fé! Não basta a boa vontade para acertar. É preciso partir de princípios solidamente embasados na realidade.
Exemplo paradigmático de retidão e angústia, por erronia nas premissas, é a vida do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855), representante do existencialismo cristão, sempre temeroso de escolher e pecar (acabou renunciando a sua noiva). Em seu livro sugestivamente intitulado “Ou, Ou” (1842), resume toda moral à escolha, sem fundamento, entre o eu estético (a paixão do presente) e o eu ético (o casamento como vínculo do passado com o futuro). Como se os transcendentais do ser – o verdadeiro, o bom e o belo – estivessem dissociados! Seguindo na tradição kantiana do imperativo categórico, escolheria o ético, mesmo sem motivo (cfr. Ives Gandraop. cit., pgs. 310-311). E assim se tornou uma figura emblemática de homem reto e infeliz. Mas seriam compatíveis retidão e felicidade?
No tempo da Grécia Clássica, quando os jovens atenienses iam a uma aula de Ética, poderiam estar dizendo: ”Que bom, vamos ver como podemos ser mais felizes!”. Depois de Kant, quando os jovens prussianos tinham que assistir às aulas de Moral, estariam reclamando:”Que azar, vamos ver tudo o que não podemos fazer!”.
Não é por menos que a imagem do prussiano (Kant é o exemplo paradigmático), como também a do espartano (contraposto ao ateniense), é a da rigidez e dureza moral, muito distante do homem real que somos e podemos ser cada um de nós.
Para o prussiano fleumático, a virtude seria a capacidade de realizar ações cada vez mais difíceis, aguentando com frieza estóica a dor e o esforço que a ação boa exigiria: a virtude estaria em aguentar! Nada mais longe da visão aristotélica da virtude. Se esta é um hábito bom adquirido, formando como uma segunda natureza no homem, vivê-la significará praticar cada vez com mais facilidade os atos bons, que sairão com naturalidade de nossa vontade. Retidão e felicidade serão causa e efeito.
Voltando aos transcendentais do ser, poderíamos dizer que o vício não é apenas um mal moral (que corrompe o homem), mas também uma mentira (verdadeiro engodo no qual se cai) e, sob o prisma estético, mau gosto. Não é por menos que, quando alguém é pego numa falta, a expressão popular de surpresa, especialmente para educar o gosto das crianças, é simplesmente: “Que feio!”.
5) A Ética Clássica: O Caminho da Felicidade
Ética das Virtudes coloca-se, assim, no ponto de equilíbrio – o meio-termo – entre o desregramento da Ética dos Prazeres e a insensibilidade da Ética dos Deveres.
Ética das Virtudes é a ética desenvolvida por Aristóteles em sua obra “Ética a Nicômaco”, ou seja, dedicada a seu filho, orientando-o sobre como agir na vida para atingir a excelência moral e ser feliz. É uma ética eudemonológica, isto é, focada na busca da felicidade, e cujos traços mais gerais de fundamentação encontram-se nos 3 primeiros livros da obra. Ao final do Livro II, Aristóteles estabelece as 3 regras mais gerais que norteariam a luta pessoal pela aquisição das virtudes e, a partir do ponto 6 do Livro III, passa a tratar das virtudes em espécie, a começar pela coragem.
Poderíamos resumir os Livros I, II e a parte geral do III da “Ética a Nicômaco”, seguindo os pontos nos quais são articulados, da seguinte forma (à semelhança da articulação do ”Tratado Lógico-Filosófico” de Ludwig Wittigenstein, que serviu de texto de discussões para o Círculo de Viena):
Livro I
1) Todo empreendimento previamente deliberado colima algum bem que tem razão de fim (o fim da medicina é a saúde, o da economia a riqueza e o da estratégia a vitória).
2) Há finalidades que desejamos por si mesmas e outras que desejamos como meios para alcançar aquelas, que chamamos de fim último, por dizer respeito ao bem mais excelente(todas as ciências teóricas são apenas meios para subsidiar a ciência prática por excelência, que é a política, no sentido de ética social e não apenas individual).
3) ciência política (e da ética) trata do nobre e do justo, onde há diversidade de opiniões, fazendo parecer que tudo é fruto de convenções, sem fundamento na natureza das coisas.
4) Há unanimidade em reconhecer que a felicidade é o bem mais excelente e meta da ética (política), mas no que consiste divergem as opiniões no tempo e no espaço.
5) Para o vulgo, a felicidade se confunde com o prazer; para o nobre, está na honra; para o prudente, está na sabedoria; para muitos, está na riqueza (no entanto, nenhum deles parece ser o bem supremo, mas, quando muito, apenas meios de o alcançar).
6) A divergência de opiniões decorre do fato de que a idéia de bem se aplica a todas as categorias do ser (substância e acidentes), não se podendo falar, como pretenderam os autores da Teoria das Idéias (Platão e outros discípulos, prezados como amigos, mas preteridos frente à busca da verdade), num único bem universal e ideal que explique e fundamente a apetência de todos.
7) bem, no sentido mais amplo, que a tudo abarcasse, seria aquele pelo que tudo o mais é feito, ou seja, a ele subordinamos todos os demais fins. Esse bem auto-suficiente e completo só pode ser a felicidade, para a qual a sabedoria, prazeres, riqueza e virtude são apenas meios de se obter. Assim, a felicidade seria o bem mais excelente e a finalidade última de todas as ações. O próprio homem teria uma função ou objetivo específico de sua natureza, que seria o exercício ativo das faculdades da alma humana em conformidade com a virtude e a razão.
8) Os bens que podem ser meios para se chegar à felicidade são externos ou internos ao homem, sendo estes últimos os mais apetecíves, que são a sabedoria e a virtude, os quais dão um prazer superior ao meramente físico e externo (mais duradouro e profundo).
9) felicidade seria fruto da sorte, dádiva divina ou prêmio da virtude? A felicidade não é atributo das crianças, porque ainda não desenvolveram as virtudes.
10) A felicidade está por cima da roda da fortuna, sendo produzida pelo exercício ativo de nossas faculdades em conformidade com a virtude.
11) Os infortúnios que possamos ter na vida podem afetar mais ou menos a nossa felicidade, mas não a ponto de miná-la. Até os mortos podem ter o infortúnio de sua memória desonrada ou seus descendentes não corresponderem à nobreza paterna, o que, no entanto, não conspurcará a alma do homem virtuoso.
12) Enquanto uma ação nobre e a virtude são louváveis (meios), a felicidade é valorável(fim).
13) felicidade é uma atividade da alma em conformidade com a virtude perfeita e cabe ao verdadeiro estadista tornar os cidadãos virtuosos e respeitadores da lei. A felicidade significa a excelência da alma, e esta se divide nitidamente em 2 partes, a racional e a apetitiva, correspondendo à 1a. as virtudes intelectuais (dianoéticas) e à 2a. as virtudes morais(éticas).
Livro II
1) As virtudes intelectuais se adquirem pela instrução e estudo, enquanto as virtudes morais são adquiridas pela prática de atos bons: a virtude é um hábito bom que se adquire pela repetição de atos nobres.
2) virtude está no agir de acordo com a justa razão, que supõe o meio-termo entre a deficiência e o excesso (o corajoso é o que vence o medo e a temeridade).
3) virtude guarda relação com o prazer e a dor, uma vez que supõe agir da melhor forma em relação a eles. A boa educação deve levar a pessoa a gostar e não gostar das coisas apropriadas.
4) Pode-se praticar um ato bom sem se ter ainda a virtude, mas o ato genuinamente virtuoso supõe: a) a consciência da bondade ou maldade da ação; b) a escolha do ato bom; e c) a decorrência do ato a partir de uma disposição de caráter estável e permanente. Não basta conhecer a virtude, mas deve-se praticá-la (o paciente que ouve o médico, mas não segue suas orientações não se cura).
5) Os estados da alma são basicamente: a) paixões (desejo, ira, medo, confiança, inveja, júbilo, amizade, ódio, saudade, ciúme, compaixão), que se caracterizam pela dor ou prazer que provocam; b) capacidades, que são faculdades de ser suscetíveis às paixões; c) disposições, que são estados de caráter que preparar para receber bem ou mal as paixões. As virtudes não são nem paixões, nem capacidades, mas disposições da alma.
6) A virtude é um disposição que torna bom o homem e faz com que funcione bem (de modo excelente). Enquanto o meio termo é a virtude, excesso e o defeito são os vícios.
7) Em relação a algumas virtudes, temos:
a) coragem – o defeito é o medo e o excesso é a temeridade;
b) generosidade – o defeito é a mesquinhez e o excesso é a prodigalidade;
c) temperança – o defeito é a insensibilidade e o excesso é o desregramento.
d) magnanimidade – o excesso é a ambição e o defeito é a simploriedade.
e) ira – o meio-termo é a brandura, o defeito é o desalento e o excesso é a irascibilidade.
f) veracidade – o excesso é a ostentação e o defeito é a autodepreciação.
g) amabilidade – o excesso é a bajulação e o defeito é o mau-humor.
h) espirituosidade – o excesso é a bufonaria e o defeito é a rudeza.
8) Há 3 disposições contrárias entre si que são a virtude e as 2 espécies de vícios, em que, para cada virtude, há um vício mais contraposto, ou por excesso, ou por defeito (à coragem se contrapõe mais a covardia; à temperança o desregramento). E o que se coloca num dos extremos vê tanto o vício oposto como a mediania como vícios (o covarde vê a coragem como temeridade; o insensível a temperança como desregramento).
9) A virtude procura encontrar o ponto de equilíbrio nas paixões e nas ações, o que não é tarefa fácil, pois agir bem com a pessoa certa, na medida certa, na ocasião certa, com o objetivo certo e da maneira certa exige árduo esforço. As 3 regras básicas para intentar fazê-lo são:
a) evitar o extremo que mais se opõe ao meio-termo, pois, dos 2 extremos, um constitui erro mais grave do que o outro;
b) observar quais os erros aos quais nós mesmos estamos mais propensos (verificando quais os prazeres que mais procuramos e as dores que mais evitamos) e dirigir-nos na direção oposta;
c) estar de guarda em relação ao que é prazeroso, pois nessa matéria não somos juízes imparciais, e seguir o conselho dos anciãos quanto ao prazer que convém descartar, pela experiência que tem.
Livro III
1) Em matéria de Ética, é preciso distinguir entre atos voluntários involuntários, em que estes últimos não são fruto de uma escolha a ser louvada ou deplorada, mas da ignorância das circunstâncias (agente, ato, coisa afetada, instrumento, efeito e maneira) que o cercam (e que fazem o agente se arrepender, ao conhecê-las) ou de uma coação externa que compromete a liberdade e faz o homem que a pratica digno de compaixão. Há os atos mistos, em que se coloca o dilema entre a ameaça da pena e a desonra da ação. No entanto, não se podem classificar (como o fez Platão) como atos involuntários aqueles praticados sob o domínio da ira ou do desejo, pois podem e devem ser evitados.
2) Estreitamente vinculada à virtude encontra-se a escolha, que constitui um ato voluntário precedido de deliberação.
3) Deliberamos apenas sobre coisas que estão sob nosso controle, mas que são incertas quanto aos resultados (sobre aquilo que depende do acaso ou da necessidade não há escolha de nossa parte) e sobre meios (os que sejam melhores para atingir um objetivo) e não sobre fins (o médico não delibera sobre se deve curar ou não, pois essa é sua missão).
4) O objeto da vontade é o bem, mas para o grosso da humanidade, este se confunde com o prazer.
5) Pelos atos livres (ou seja, voluntários), tornamo-nos responsáveis, arcando com suas conseqüências (também se agimos por ignorância culpável somos responsáveis). Não somos responsáveis pelos defeitos físicos que temos (a menos que tenhamos contribuído para tê-los), mas pelos defeitos morais sim. Nesse sentido, também os vícios são voluntários e supõem uma escolha equivocada até dos fins.
Esse o resumo dos livros iniciais e gerais da Ética a Nicômaco.
Lendo-os, é interessante perceber o realismo da Ética Clássica, fundada empiricamente na experiência sensível pessoal e aproveitando a experiência alheia dos mais velhos. Isso é seguir o ditado: ”Escarmentar em cabeça alheia” (ou seja, tirar lição dos erros dos outros). No entanto, muitos jovens acabam estragando a própria vida, às vezes de forma definitiva, por só escarmentarem na própria cabeça
Ética Clássica parte da teoria hilemórifca aristotélica, em que o homem em ato é aquilo que ele é no momento, e o homem em potência é aquilo a que ele poderia chegar se descobrisse sua natureza essencial. Nesse sentido, bom seria aquilo ou aquele que cumprisse a sua finalidade (como o relógio que marcasse as horas com precisão).
O atrativo da Ética está na distinção entre as ações nobres e as ações vis, em que as primeiras nos encantam e as últimas nos causam repulsa. Aproveitando o arcabouço teórico de Aristóteles sobre as virtudes, desenvolvido na ”Ética a Nicômaco” , e a iconografia emblemática de heróis e vilões (misturadamente) que nos oferece “O Senhor dos Anéis” de J. R. R. Tolkien e outras obras da literatura clássica (como o fez Aristóteles em sua Ética, ofertando exemplos dos poemas épicos, tragédias e comédias do teatro grego de seu tempo, conhecidas por seus coetâneos) passaremos, nos próximos artigos, a refletir sobre cada uma das principais virtudes que compõem o quadro da excelência moral traçado na Ética Clássica e sobrenaturalizado pela Ética Cristã (tal como plasmada no Sermão da Montanha – capítulo 5 do Evangelho de S. Mateus), que aponta para uma felicidade mais perfeita e perene
No fundo, a Ética se resume a escolher bem e a tomar a decisão certa em cada momento. Não vale a pena o esforço por adquirir essas virtudes?
Fonte: 

José Ortega Y Gasset: um pesquisador do conhecimento




Para o filósofo José Ortega y Gasset (1883-1955), todas as coisas estão em permanente processo de mudança. Por isso a vida, do início ao fim, é um aprendizado. Fiel a esse princípio, sua obra é uma ininterrupta investigação dos grandes temas das ciências humanas, sem simplificações, mas escrita de modo a ser compreendida por leitores não especializados e isso o tornou um dos intelectuais mais queridos da Espanha na primeira metade do século 20. Portanto, o propósito pedagógico, no sentido mais amplo, faz parte da espinha dorsal de seu pensamento. "O homem tem uma missão de clareza sobre a Terra", dizia. 

Ortega y Gasset tinha uma concepção dinâmica do mundo e da vida humana, além da ambição de revolucionar a tradição filosófica. Por outro lado, sua doutrina social propõe uma organização política de molde aristocrático e se baseia numa avaliação cética das possibilidades do homem comum. No Brasil, seu pensamento foi e continua sendo muito influente, em especial nos meios conservadores. 

Em reação às correntes que afirmam a supremacia da razão e àquelas que buscam a verdade absoluta fora do mundo sensível, o filósofo construiu um sistema baseado no que chamou de razão vital. A palavra expressa a racionalidade como função da vida, isto é, algo que não pode ser separado das condições física, psicológica e social do indivíduo. A verdade também só é alcançável do ponto de vista de cada um. 

Essas concepções podem parecer subjetivas, mas não são: para que o funcionamento da existência se estabeleça, é preciso que o indivíduo interaja com a sociedade. "A vida é considerada no sentido que o termo possui na linguagem cotidiana, particularmente como um valor biográfico", diz Juan Guillermo Droguett, professor da Universidade Paulista e do Colégio Internacional Tabor, em São Paulo. "Viver é certamente tratar com o mundo." 

Esse é o sentido da mais famosa máxima de Ortega y Gasset: "O homem é o homem e a sua circunstância". Para ele, não é possível considerar o ser humano como sujeito ativo sem levar em conta simultaneamente tudo o que o circunda, a começar pelo próprio corpo e chegando até o contexto histórico em que se insere. A Educação vira um instrumento para que cada um possa conscientizar-se de sua circunstância, relacionar-se com ela e superá-la. "Se não a salvo, não me salvo eu", conclui o filósofo espanhol.

Ortega Y Gasset e seu tempo

Caos institucional e guerras na Espanha 

Nos últimos anos do século 19, a Espanha se encontrava numa profunda crise institucional e moral, que culminou, em 1898, com a derrota na guerra contra os Estados Unidos. O fim do conflito significou para o antigo império marítimo a perda de suas colônias mais importantes: Cuba e Porto Rico, nas Américas, e Filipinas, na Ásia. Paralelamente, surgia a "geração de 98", grupo de intelectuais que procurou buscar na própria cultura espanhola uma nova plataforma de renascimento nacional. Ortega y Gasset foi muito influenciado por esse ideário, embora pertencesse à geração seguinte. O ressurgimento da vida cultural foi acompanhado, nas primeiras décadas do século 20, por muita agitação e fragmentação na política espanhola. O cenário se caracterizou pela emergência dos poderes regionais (sobretudo da Catalunha), o fortalecimento do ativismo sindical, com a presença marcante da ala anarquista, e as composições efêmeras das forças políticas conservadoras, de um lado, e de esquerda, de outro estas últimas agrupadas nas facções que adotaram o rótulo republicano. Para piorar, a Espanha se envolveu numa guerra contra o Marrocos, que havia sido cedido pela França como protetorado. Em 1923, com o apoio do rei Afonso XIII e das tendências tradicionalistas, o general Primo de Rivera desfechou um golpe militar. Sete anos depois, o monarca forçou o militar a renunciar, mas a situação política caótica também o levou a fugir do país. A década de 1930 foi marcada por tentativas de recomposição dos partidos, com uma breve participação de Ortega y Gasset. Em 1936, a situação degenerou na Guerra Civil Espanhola. O enfrentamento motivou militantes de esquerda de todo o mundo a lutar ao lado dos republicanos, mas a vitória foi da extrema direita, liderada pelo general Franciso Franco que governou ditatorialmente até a morte, em 1975.

Realidade relativa 

Poder situar-se na realidade, por isso, implica um saber a respeito de questões vitais, algo que só é possível com base no encontro entre o pensamento e o mundo exterior. "A análise do eu levada em consideração por Ortega y Gasset parte das conquistas da vida", explica Droguett. Os meios para esses avanços não se limitam à capacidade intelectual de fazer descobertas, mas incluem o entusiasmo e o amor seja por um outro ser, seja pela ciência. "O amor procura e o entendimento encontra", escreveu o pensador. 

Assim como não bastam as faculdades mentais, os sentidos também são insuficientes para chegar ao conhecimento, porque são limitados. Conhecer as coisas depende de uma espécie de descoberta que torne possível compreender os aspectos não acessíveis aos sentidos. Como cada ser humano é também uma circunstância específica, a realidade só pode ser apreendida de uma determinada perspectiva. Para Ortega y Gasset, a verdade não é relativa, mas a realidade, sim. 

Quanto à trajetória de vida, o filósofo acreditava na existência de uma vocação, não para uma carreira profissional, mas para um rumo que se imprime à existência atendendo a um chamado íntimo, pelo menos no caso das pessoas que sabem ouvi-lo. Assim, somam-se à disposição e ao talento pessoais, mais uma vez a situação inescapável de todas as pessoas: a circunstância. Ortega y Gasset, no entanto, apostava na liberdade de escolha entre as direções possíveis oferecidas pelo meio em que se vive.

Ortega Y Gasset e a escola

Cultivo de cooperação e autocontrole 

O conceito de razão vital é o principal fundamento das idéias de Ortega y Gasset no campo da Educação. O fortalecimento do psiquismo infantil seria o objetivo prioritário, devendo ocupar todo o Ensino Fundamental ou pelo menos as primeiras séries. "Nessa fase, é necessário assegurar e formatar a vida original e espontânea do espírito", diz Juan Guillermo Droguett. "A Pedagogia deve buscar no conhecimento biológico suas motivações e perspectivas antes de tentar incorporar a criança na vida organizada dos adultos." 

O pensador espanhol criticava a formação dos professores porque ela estaria orientada para encaixar os alunos numa cultura rígida e previamente sistematizada. "O princípio mecanicista reprime a desordem magnífica e criadora que a criança traz como equipamento vital", afirma Droguett. O ensino deveria introduzir conteúdos e tarefas com ênfase no estudo dos mitos da humanidade , mas na circunstância própria de cada criança. O filósofo espanhol dizia que a escola tradicional educa apenas "para o ontem" e não com vistas ao futuro, do mesmo modo que oferece um preparo individual, mas não para a vida em sociedade. Isso porque não leva em conta que cada aluno se articula, por uma rede de relações, a comunidades cada vez mais amplas. Do ponto de vista da educação política, deveria haver um esforço pedagógico para evitar a "rebelião das massas" (título de um de seus livros). Para que o homem-massa não abandone sua desejável docilidade e caia no erro de assumir a função de exemplo, é necessário reforçar os fins morais da Educação e estimular, na minoria, a missão de esclarecer os demais. Todo ser humano e toda formação social equilibrada, segundo o pensador, são como mecanismos em busca da perfeição. E a escola deveria ser um dos veículos desse processo.

Minoria esclarecida 

A possibilidade de criar a própria história, e não apenas de ter uma natureza determinada, é o que mantém o ser humano permanentemente voltado para o futuro. Nessa dinâmica, ele constrói uma ética que nada tem a ver com preceitos absorvidos de fora, dependendo de uma fidelidade a si mesmo. Segundo o filósofo, entretanto, apenas uma parte minoritária da humanidade faz uso dessa prerrogativa. 

Minoria é também um dos dois fatores necessários para a formação de toda sociedade, segundo Ortega y Gasset. O outro fator é a massa, constituída de pessoas limitadas e com noções obscuras sobre a própria circunstância. Elas são conduzidas e educadas pela minoria. 

A emergência e a proliferação do "homem-massa" faziam parte de um fenômeno que o pensador detectava em sua época. Para a sociedade rumar solidamente em direção à renovação intelectual, seria preciso que uma aristocracia esclarecida definisse as diretrizes políticas de modo a evitar a desordem e a violência revolucionária que ocorre quando o homem-massa decide agir apenas por si mesmo. Em condições normais de funcionamento da sociedade, caberia à elite minoritária o papel de exemplo e à massa, a característica da docilidade, ambas articuladas para que um grupo estratificado decida os rumos da coletividade: uma democracia sem riscos de excesso. 

A minoria de que fala o filósofo não é uma classe superior economicamente, mas um grupo formado por pessoas que adquiriram clarividência por meio da cultura e da virtude. O homem-massa não é o mais pobre nem o que teve menos acesso à educação formal. Em sua época, Ortega y Gasset o identificava com o especialista, por ter uma visão rígida e estreita do mundo.

Biografia
Político arrependido
Foto: Bettmann/Corbis/Latinstock
Foto: Bettmann/Corbis/Latinstock

José Ortega y Gasset nasceu em Madri em 1883. Era filho do dono do diário El Imparcial e estudou entre os jesuítas, cujos métodos pedagógicos viria a criticar severamente. Formou-se em Filosofia e Letras na Espanha e, em várias visitas a cidades alemãs (Berlim, Marburgo e Lepzig), aprofundou-se nos temas filosóficos que mais lhe interessavam. De volta, começou a escrever para o jornal da família. Durante a década de 1910, assumiu a cátedra de Metafísica na Universidade de Madri, escreveu seus primeiros livros entre eles, o importante Meditações do Quixote , fundou a Liga de Educação Política Espanhola, criou dois periódicos (España e El Sol) e passou uma temporada em Buenos Aires ministrando cursos e conferências (mais tarde reunidas em livro). A turbulência política da década seguinte, durante a qual a Universidade de Madri chegou a ser fechada pelo governo, tornou irregular sua carreira acadêmica. Em 1931, fundou o Agrupamento a Serviço da República e elegeu-se deputado. Dois anos depois, decepcionado com os próprios erros de avaliação, renunciou definitivamente à carreira política. Quando começou a Guerra Civil Espanhola, em 1936, mudou-se para a França. Só voltou para a Espanha em 1945, e lá morou até morrer, dez anos depois, em Madri. Nesse período, viveu sob vigilância cerrada da ditadura franquista, mas não foi impedido de exercer seu trabalho de professor, escritor e conferencista nem de fundar o Instituto de Humanidades. Entre suas principais obras estão A Rebelião das Massas, Espanha Invertebrada e O Que É a Filosofia? 

"A cultura adquirida só tem valor como instrumento e arma para novas conquistas"

Para pensar 

A pedagogia atual vem insistindo que um ensino de qualidade só é possível quando o professor está consciente de que o modo de pensar das crianças nem sempre coincide com o dos adultos. Ortega y Gasset via também no psiquismo dos pequenos uma especificidade: a energia criativa aparentemente caótica, mas que precisa ser preservada. 

Você já pensou em desenvolver estratégias para detectar e valorizar esse entusiasmo infantil sem confundi-lo com indisciplina? 

"A Educação, nas primeiras etapas, em vez de adaptar o ser humano ao meio, adapta o meio ao ser humano"
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/pesquisador-conhecimento-423330.shtml

Ó infelizes mortais... (Voltaire)

Provocações - Vivemos em um tempo (Ortega y Gasset) - Antonio Abujamra -...

As ideias de Michel de Montaigne


Para Montaigne a escrita é um meio de chegar ao conhecimento de si.


Humanista, Montaigne defende um certo número de teses sobre as quais sempre retoma em seus Ensaios. Tendo uma vida dividida entre uma carreira jurídica e administrativa (foi prefeito de Bordeaux, França), aproveitava-se dos retiros em seu castelo para se isolar e escrever. O tema: a sabedoria.

Ensaios é sua obra-prima, que floresceu após 20 anos de reflexão. Consiste em um modo de pensar crítico à sociedade do século XVI, embora aborde temas variados. Algumas de suas teses são:

1 – Toda ideia nova é perigosa;
2 – Todos os homens devem ser respeitados (humanismo); e
3 – No domínio da educação, deve-se respeitar a personalidade da criança.

Esta última tese chama atenção, já que para Montaigne deve-se formar um homem honesto e capaz de refletir por si mesmo. Este homem deverá procurar o diálogo com os outros, tendo senso de relatividade sobre todas as coisas. Assim, ele conseguirá se adaptar à sociedade onde deverá viver em harmonia com os outros homens e com o mundo. Ele será um espírito livre e liberto de crenças e superstições.

Segundo Montaigne, os pensamentos e atitudes do homem estão submetidos ao tempo, que pode metamorfoseá-los. Para chegar a esta conclusão, costuma-se ver o pensamento de Montaigne dividido em três etapas evolutivas:

A primeira fase é a do estoicismo, na qual o filósofo adota, sob a influência de seu amigo La Boétie, a pretensão estoica de alcançar a verdade absoluta. Mas seu espírito convive mais com a dúvida, e a experiência estoica certamente marcou, para sempre, a ruptura de Montaigne com qualquer ideia de verdade absoluta.

A segunda fase, como consequência da primeira e também em razão do ambiente em que viveu, numa França dividida pelos conflitos intelectuais entre católicos e protestantes, com muita violência e guerras, Montaigne é seduzido pelos filósofos do ceticismo, da dúvida. Segundo estes, se o homem não sabe nada de si mesmo, como pode saber tanto sobre o mundo e sobre Deus e sua vontade? A dúvida é para Montaigne uma arma contra o fanatismo religioso.


Na terceira e última etapa, já maduro e ao fim de sua vida, Montaigne se interessa mais por si mesmo do que por outros filósofos. Seus últimos escritos, os “Ensaios”, são muito pessoais. Ele se persuadiu de que o único conhecimento digno de valor é aquele que se adquire por si mesmo. Seu ceticismo ativo é uma tentativa de crítica radical dos costumes, dos saberes e das instituições da época. Com isto, a contribuição de Montaigne é fundamental na constituição do pensamento moderno.
Os “Ensaios” tratam de uma enorme variedade de temas: da vaidade, da liberdade de consciência, dos coxos, etc., e por serem ensaios não têm uma unidade aparente. Livremente, o filósofo deixa seu pensamento fluir e ganhar forma no papel, vagando de ideia em ideia, de associação a associação. Não escreve para agradar os leitores, nem escreve de modo técnico ou com vistas à instrução. Ele pretende, ao contrário, escrever para as gerações futuras, a fim de deixar um traço daquilo que ele foi, daquilo que ele pensou em um dado momento. Montaigne adotou o princípio grego “Conhece-te a ti mesmo”. Portanto, segundo ele, a escrita é um meio de chegar a este conhecimento de si.

Por João Francisco P. Cabral 
Colaborador Brasil Escola 
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU 
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP


Fonte: http://www.brasilescola.com/filosofia/as-ideias-michel-montaigne.htm

Kant: moral, metafísica e crítica do juízo


A Moral de Kant

É só no domínio da moral que a razão poderá, legitimamente, manifestar-se em toda sua pujança. A razão teórica tinha necessidade da experiência para não se perder no vácuo da metafísica. A razão prática, isto é, ética, deve ao contrário, ultrapassar, para ser ela própria, tudo que seja sensível ou empírico.
Toda ação que toma seus móveis da sensibilidade, dos desejos empíricos, é estranha à moral, mesmo que essa ação seja materialmente boa. Por exemplo: se me empenho por alguém por cálculo interessado ou mesmo por afeição, minha conduta não é moral. Com efeito, amanhã, meus cálculos e meus sentimentos espontâneos poderiam levar-me a atos contrários. A vontade que tem por fim o prazer, a felicidade, fica submetida às flutuações de minha natureza. Nesse ponto, Kant se opõe não só ao naturalismo dos filósofos iluministas, mas, também, à ontologia otimista de São Tomás, para quem a felicidade é o fim legítimo de todas as nossas ações. Em Kant, há o que Hegel mais tarde denominará uma visão oral do mundo que afasta a ética dos equívocos da natureza. O imperativo moral não é um imperativo hipotético que submeteria o bem ao desejo (cumpre teu dever se nele satisfazes teu interesse, ou então, se teus sentimentos espontâneos a ele te conduzem), mas o imperativo categórico: Cumpre teu dever incondicionalmente.
Em que consiste esse dever? Uma vez que as leis que a Razão se impõe não podem, em nenhum caso, receber um conteúdo da experiência e que devem exprimir a autonomia da razão pura prática, as regras morais só podem consistir na própria forma da lei. "Age sempre de tal maneira que a máxima de tua ação possa ser erigida em regra universal" (primeira regra). O respeito pela razão estende-se ao sujeito racional: "Age sempre de maneira a tratares a humanidade em ti e nos outros sempre ao mesmo tempo como um fim e jamais como um simples meio" (segunda regra). Desse modo, o princípio do dever, para ser absolutamente rigoroso, não implica em nenhuma "alienação", como diríamos hoje, em nenhuma "heteronomia", como diz Kant.Para se unirem numa justa reciprocidade de direitos e obrigações, os homens só têm que obedecer às exigências de sua própria razão: "Age como se fosses ao mesmo tempo legislador e súdito na república das vontades" (terceira regra).
O único sentimento que tem por si mesmo um valor moral nessa ética racionalista é o sentimento do respeito, pois não é anterior à lei, mas é a própria lei moral que o produz em mim; ele me engrandece, ele me realiza como ser racional que obedece à lei moral. Vimos que, pelo fato de ser puramente formal, essa moral não me propõe, efetivamente, um ato concreto a realizar. Ela simplesmente autoriza ou proíbe este ou aquele ato que tenho vontade de praticar. Por exemplo, vejo de imediato que não tenho o direito de mentir, mesmo que me diga: e se todos fizessem o mesmo? A mentira de todos para com todos é contraditória, portanto, proibida. A moral formal, por conseguinte, apresenta-se como essencialmente negativa. Como diz Jan Kélévitch, o imperativo categórico é um "proibitivo categórico".
A moral de Kant, ao privilegiar a razão humana, exprime sua desconfiança com relação à natureza humana, aos instintos, às tendências de tudo o que é empírico, passivo, passional, ou, como diz Kant, patológico. Tal é o rigoríssimo kantiano. A razão fala sobre a forma severa do dever porque é preciso impor silêncio à natureza carnal, porque é preciso, ao preço de grande esforço, submeter a humana vontade à lei do dever. Por conseguinte, o domínio da moral não é o da natureza (submissão animal aos instintos) nem o da santidade (em que a natureza, transfigurada pela graça, sentiria uma atração instintiva e irresistível pelos valores morais). O mérito moral é medido precisamente pelo esforço que fazemos para submeter nossa natureza às exigências do dever.

Moral e Metafísica

A moral de Kant é o que chamamos de uma moral independente. Ela não possui outro fundamento além da consciência humana, essa consciência que é essencialmente razão. Mesmo que o universo não tenha o menor sentido, mesmo que a alma seja mortal, o discípulo de Kant se sabe obrigado a respeitas as máximas da razão.
Todavia, Kant vai reerguer a metafísica - essa metafísica cuja demonstração era impossível, segunda a crítica da razão pura. A originalidade de Kant está no fato de que, ao invés de buscar os fundamentos de sua moral na metafísica, ele vai estabelecer os fundamentos de uma metafísica na moral, a título de "postulados da razão prática". Por exemplo: o dever me prescreve a realização de certa perfeição moral que não consigo atingir na vida presente (posto que não chego a purificar totalmente a determinação de querer dos móveis sensíveis). Kant então postula a imortalidade da alma.
Por outro lado, Kant constata que a virtude e a felicidade quase não estão juntas, neste mundo em que, de um modo geral, os maus são muito prósperos. Ele então postula que um Deus justiceiro, por intermédio de um sistema de recompensa e punições, restabelecerá no além a harmonia entre virtude e felicidade.
Finalmente, partindo da consciência da obrigação moral, Kant vai postular a liberdade humana. Com efeito, a obrigação moral exclui a necessidade dos atos humanos. A obrigação não teria o menor sentido se minha conduta fosse automaticamente determinada por minhas tendências ou pelas influências que sofri. Ser moralmente obrigado é ter o poder de responder sim ou não à regra moral, é ter a liberdade de escolher entre o bem e o mal. "Tu deves, diz Kant, então podes."
Esta liberdade não poderia ser demonstrada. No plano dos fenômenos, isto é, da experiência, do que hoje denominamos ciência psicológica, eu vejo que meus atos, ao contrário, são determinados uns pelos outros no tempo. Aquele crime pode ser explicado pelas paixões de seu autor, pela deplorável educação que recebeu, etc... E, no entanto, o homem se sente responsável, por conseguinte, livre. Não esqueçamos que o mundo dos fenômenos, isto é, do determinismo, é um mundo de aparências. Por trás desse determinismo aparente, pelo qual o mundo se me apresenta no conhecimento, esconde-se a realidade numenal de minha liberdade. Por conseguinte, é fora do tempo, é nas profundezas do ser inacessível ao saber científico, que o mau escolheu livremente o seu caráter de mau. Em tal sistema, portanto, não existe liberdade parcial nem meia-responsabilidade. Totalmente determinados nas aparências fenomenais, seríamos totalmente livres em nossa realidade numenal: daí se segue que nenhum pecado poderia ser escusável.

A Crítica do Juízo

Desse modo, a filosofia de Kant nos surge como uma filosofia essencialmente trágica, já que afirma simultaneamente a necessidade da natureza (na Crítica da Razão Pura) e a exigência de uma liberdade absoluta (na Crítica da Razão Prática).
Em sua terceira grande obra, A Crítica do Juízo, Kant se esforça por mostrar a possibilidade de uma reconciliação entre o mundo natural e o da liberdade. A natureza não seja talvez não seja apenas o domínio do determinismo, mas também o da finalidade que aparece notadamente na organização harmoniosa dos seres vivos. Todavia, se o princípio de causalidade (determinismo) é constitutivo da experiência (não posso dispensá-lo para explicar a natureza), o princípio de finalidade permanece facultativo, puramente regulador (posso interpretar o agrupamento de certas condições como a manifestação de um fim). Tudo se passa como se o pássaro fosse feito para voar, mas uma coisa apenas é certa: o pássaro voa porque é constituído de tal maneira.
Os valores de beleza, presentes na obra de arte, igualmente nos oferecem uma espécie de reconciliação entre a razão e a imaginação, já que, na contemplação estética, a bela aparência que admiramos parece inteiramente penetrada dos valores do espírito. Finalidade sem fim (isto é, harmonia pura, fora de todo móvel exterior à obra de arte), a beleza oferece à nossa imaginação a oportunidade de uma satisfação inteiramente desinteressada. Ela é, no mundo kantiano, o exemplo único de uma satisfação ao mesmo tempo sensível e pura de todo egoísmo, o momento privilegiado em que uma emoção, longe de manifestar meu egoísmo dominador, dele me liberta e, como se diz muito bem, me "arrebata".
Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/kant2.htm

Leia mais: http://www.mundodosfilosofos.com.br/kant2.htm#ixzz2JaE18SpX

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Existential Star Wars (In French)

Zygmunt Bauman - Fronteiras do Pensamento

Zygmunt Bauman e a Pós-Modernidade

Gianni Vattimo: Del pensamiento débil al pensamiento de los débiles.

Derrida: "What Comes Before The Question?"

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domingo, 6 de janeiro de 2013

Kelsen: Formalism, Efficacy, and Acceptability



Kelsen establishes three requisites for a legal norm to be said to be valid. The first one is its belonging to an existing legal system, that is its legality. The second one is its containing of a sanction or connection to other norm which contains a sanction, that is its coercion. The third one is its being obeyed, that is its efficacy. Kelsen also states that his pure theory of law is formal, which means that it admits of any content to be law and its requisites are completely void of content.

In the case of the third requisite for the validity of legal norms, that is efficacy, we can challenge Kelsen’s belief that such requisite is indeed formal by reasoning as follows: a) if a requisite is to be formal, it must make no distinction among different possible contents; b) if the requisite of efficacy is to be formal, then efficacy must make no distinction among different possible contents of norms; c) if efficacy is to make no distinction among different possible contents of norms, then norms with every possible content must be able to be efficacious. But c) is not only an empirical statement (therefore, not much of a candidate for being formal), but it is also a glaringly false one. Therefore, efficacy is not a formal requisite.

We can go one step further and connect the issue of efficacy with that one of acceptability. It is obviously true that one of the many possible reasons for a norm to be inefficacious is the addressees’ rejection of its content, that is its lack of acceptability. If at least in some cases of inefficacy, the norm is inefficacious due to its unacceptability, then at least in some cases inefficacy will be an issue that depends on the content of the norm. Well, an issue depending on the content of the norm cannot, by definition, be a formal one. Therefore, efficacy is not a formal requisite.

This challenge could be met with the following response: If the efficacy of the norm were in any measure depending on the acceptance of its content, then it would not be a formal requisite. But in Kelsen’s theory, the efficacy of a norm is obtained by means of the sanction. Kelsen denies that a sanction alone can bring about efficacy for a norm of behavior, but, even when it does not, it creates a second kind of efficacy for a norm, that is the efficacy of its sanction. Then, even when the content of a norm of behavior were so unacceptable as to turn that norm inefficacious in the first sense (people not acting according to the norm commandment), the application of its sanction to the disobeying addressee would still turn it efficacious in that second sense (people who do not act according to the norm commandment being sanctioned).

However, it would only postpone the problem. The sanction would only be a solution for the problem of inefficacy if the sanction itself could never be inefficacious. But sanctions also have contents, and their contents can also be unacceptable. If at least in some cases the unacceptability of a norm entails its inefficacy, then at least in some cases sanctions that are unacceptable would also be inefficacious. It would happen not only in cases where sanctions are inhumane or disproportional, but also in cases where the sanction punishes the disobedience to an unacceptable norm of behavior. If the behavior commanded by the norm is unacceptable, then a sanction punishing the disobedience to such norm would also be unacceptable. If in some cases unacceptable norms of behavior can become inefficacious, then the unacceptable sanctions punishing those who disobey such norms cannot wait for a better fate. Otherwise we would be counting on totally cold-hearted sanction enforcers, capable of applying any sanction no matter how unacceptable it is, but, if we could appeal to fictional beings like that, we would have no reason not to appeal instead to perfectly obedient addressees, capable of obeying norms of behavior no matter how unacceptable they are. Fictions could have solved our problems many steps earlier. If, however, we are not fictionalizing, then the assumption that all sanction enforcers are totally cold-hearted is, to say the least, very unlikely to be true. Thus, sanctions would also depend on their efficacy, which would also in at least some cases depend on their content; therefore, efficacy, with or without sanction, would keep not being a formal requisite.

If that is right, we can not only come to the conclusion that efficacy cannot be a formal requisite, but we can invert that conclusion against Kelsen’s purposes and say that, introducing efficacy as a requisite for validity, Kelsen sheltered a material wolf covert with sheep’s formal clothing. For saying that every content can be valid law, but, in order to be valid law, that content must be efficacious is tantamount to saying that, as not every content can be efficacious, not every content can be valid law. And any theory that recognizes that is not a formalistic theory anymore.

Fonte: Blog Filósofo Grego